A política exterior do governo Vargas na década de 1930 tem sido qualificada de diversas maneiras pelos estudiosos do tema: jogo duplo, eqüidistância pragmática etc. Esses rótulos referem-se às relações que o Brasil mantinha simultaneamente com os dois novos eixos de poder em ascensão no mundo, Estados Unidos e Alemanha. Superado o constrangimento inicial causado pelo apoio norte-americano ao governo deposto em 1930, Vargas procurou dar continuidade à política externa praticada desde o início do século XX, que fazia dos Estados Unidos o principal parceiro internacional do Brasil. No entanto, questões de natureza econômica levaram-no a manter ao mesmo tempo um relacionamento com Berlim. Esse equilíbrio delicado só iria ser rompido com a Segunda Guerra Mundial, quando o governo brasileiro foi forçado a tomar uma posição.
Passados os efeitos imediatos da crise de 1929, quando as economias avançadas da Europa e dos Estados Unidos optaram por rígidas políticas protecionistas, os governos alemão e norte-americano entenderam que a saída para suas respectivas crises econômicas era a reativação do comércio internacional. A Alemanha optou pelo comércio de compensação, que consistia na troca de mercadorias sem a intermediação de moeda forte, enquanto os Estados Unidos mais uma vez apostaram no livre-comércio. Para ambos os países, sem possessões coloniais, a América Latina em geral, e o Brasil em particular, representavam um importante mercado fornecedor de matérias-primas e consumidor de produtos manufaturados.
Também no terreno ideológico uma clara cisão separava os dois eixos de poder em ascensão. Os Estados Unidos empunhavam a bandeira da liberal-democracia e invocavam os ideais pan-americanistas para se aproximar dos vizinhos hemisféricos, desenvolvendo a chamada política de boa vizinhança. Já a Alemanha, que a partir da vitória do Partido Nacional Socialista em 1933 adotara o nazismo como ideologia oficial, defendia o autoritarismo antiparlamentar e nacionalista. Assim como o fascismo italiano, o nazismo expressava a falência do liberalismo na Europa. Foi nesse contexto que, na área diplomática, Vargas adotou o que o historiador Gerson Moura chamou de política de "eqüidistância pragmática".
Desde o início Vargas enfrentou problemas na definição de sua política econômica. Ao se iniciar seu Governo Provisório, em novembro de 1930, o Brasil ainda sofria os efeitos da crise de 1929 e enfrentava dificuldades com seus produtos de exportação, em especial o café, cujos preços internacionais tiveram acentuada queda. Além disso, o país se ressentia dos danos decorrentes da interrupção da entrada de capitais estrangeiros e do aumento dos preços dos produtos importados. Como resultado, registrou-se um profundo déficit no balanço de pagamentos, que terminou por acarretar uma grave crise cambial e a suspensão do pagamento do serviço da dívida externa em 1931. A situação só tenderia a melhorar um pouco no governo constitucional de Vargas (1934-1937), quando ocorreu uma relativa liberalização e um rápido crescimento.
Não é de surpreender que no plano das relações econômicas internacionais Vargas tivesse procurado tirar o melhor partido, tanto do sistema de comércio compensado da Alemanha como do livre-cambismo norte-americano. Essa postura do governo brasileiro é ilustrada pela assinatura de acordos comerciais com ambos os países. Com a Alemanha, o Brasil assinou Acordos de Compensação em 1934 e 1936, pelos quais ficava garantida a exportação de algodão, café, laranja, couro, tabaco e carne enlatada em grandes quantidades, em troca de produtos manufaturados alemães. Com os Estados Unidos, foi assinado o Tratado Comercial de 1935, pelo qual o Brasil oferecia concessões tarifárias a determinados produtos norte-americanos, e os Estados Unidos liberavam de tributos os principais produtos de exportação brasileiros. A tolerância de Washington e Berlim frente ao comportamento eqüidistante de Vargas se explicava pelo interesse de ambas as potências em constituir seus respectivos sistemas de poder, estratégia que colocava os interesses de natureza econômica temporariamente em segundo plano. Essa complacência, de outro lado, alargava o campo de manobra do governo brasileiro.
Também no terreno ideológico o governo Vargas adotou posição eqüidistante, em parte atendendo às diferentes simpatias que seus auxiliares diretos nutriam por cada eixo de poder. De um lado, o governo tinha homens como Oswaldo Aranha, grande admirador dos Estados Unidos; de outro, homens como Eurico Dutra e Góes Monteiro, simpatizantes do regime alemão. O governo brasileiro acabou por se inclinar em direção ao sistema de poder norte-americano. Isso ocorreu graças a um conjunto de fatores, que incluiu os artifícios do discurso pan-americanista, a composição de interesses domésticos e o próprio esgotamento dos recursos de barganha do governo brasileiro na negociação de seu alinhamento aos Estados Unidos. Mas a situação só se definiria claramente com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em fins de 1941
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