A história do quilombo impressiona afinal Brotas já era um quilombo antes mesmo da fundação de Itatiba. Cabe inclusive a defesa da hipótese de que foram os quilombolas que fundaram a cidade. Observei que o crescimento urbano desordenado vem criando problemas para a comunidade, onde vivem hoje aproximadamente 32 famílias. Recentemente, a construção de um loteamento assoreou o córrego que corta o sítio Brotas.
O impacto não foi só ambiental, mas também cultural: as matas e cursos d´água têm grande importância nos rituais de umbanda, religião praticada por vários moradores do quilombo. Existe uma proposta do Itesp de que seja titulado não só o território que já pertence por direito de herança aos quilombolas, mas também a área de nascente do córrego.
Esse crescimento também fez com que o perímetro urbano englobasse o território do quilombo. Pode-se dizer então que a comunidade é considerada o primeiro quilombo urbano oficialmente reconhecido no Brasil.
Por ser uma área particular, a titulação dependeu Governo Federal, por meio do Incra. Os trabalhos de reconhecimento e titulação foram portanto, acompanhados pelo Ministério Público Federal. A comunidade também contou com o apoio da organização não-governamental Fórum Pró-Cidadania, de Itatiba
É fundamental, nestas considerações, pontuar algumas características da comunidade que vive no Quilombo Brotas. Uma de suas mais destacadas peculiaridades é possuir uma história oral viva e preservada. É essa história oral que ajuda a constituir uma identidade da comunidade.
Trata-se de uma comunidade tradicional, que tem a necessidade de reivindicar políticas públicas que favoreçam seus moradores nas questões de habitação, moradia, transporte, trabalho, produção de renda.
Nota-se que os moradores conseguem perceber, ao longo desses anos, as necessidades que a comunidade possui, porém demonstram dificuldade em se articular politicamente para reivindicar essas necessidades.
Portanto, por meio do Ponto de Cultura, abrem-se possibilidades para que a comunidade se engaje na reivindicação de novas políticas públicas, já que o Ponto de Cultura constitui uma rede de relações que anteriormente era realizada pela memória dos mais velhos que, com o passar dos anos, perdeu sua força.
De fato, o Ponto de Cultura é uma política pública conquistada que colocou os moradores do Quilombo Brotas em contato com amplas possibilidades. Ele tem permitido uma expansão da comunidade que antes era construída pela oralidade e hoje é realizada também pelas relações sociais. Isso ocorre pelo contato com outras comunidades quilombolas, que possuem novas ideias e núcleos culturais. Ter contato com ações empreendidas por essas comunidades proporciona a eles novas perspectivas. É no contato com o outro que a comunidade reconhece seus valores e agrega possibilidades para o futuro.
Quando uma sociedade tradicional se abre para o novo, nascem vastas possibilidades, e ela acaba sofrendo impactos com essa inserção da modernidade. Na comunidade Brotas não foi diferente. A articulação com outras comunidades aumentou. Hoje, seus líderes sociais estão mais articulados, críticos e politizados. Nos discursos, é perceptível essa maior imponência ante aos problemas do Quilombo Brotas. Esta é apenas uma das diferenças visivelmente percebida na comunidade com a interferência do Ponto de Cultura.
A relação entre jovens e velhos com a inserção dessa política pública tem a possibilidade de se tornar mais próxima, principalmente com as oficinas de memória e oralidade, que são alguns dos projetos que estão sendo realizados. Com as visitas de grupos, a história da comunidade é contada e recontada várias vezes. Isso faz com que eles memorizem não só esta, mas muitas outras histórias. No diálogo com o jovem Marcos, essa característica ficou muito presente no momento em que ela reconta a história e diz ter orgulho.
Os conflitos ainda permanecem, mas os membros da comunidade hoje possuem muito mais motivos para se articularem. As oficinas de artesanato têm unido as mulheres do quilombo. As apresentações de dança estão fazendo os jovens se aproximarem mais do que é realizado no quilombo. As festas têm trazido pessoas de diferentes lugares para conhecer a comunidade, e as visitações fazem os moradores se organizarem e se estruturarem para mostrar a própria história e a cultura. A confecção de camisetas tem feito que as pessoas de fora da comunidade deem o valor que eles mesmos ainda não enxergaram.
É fato, portanto, concluir que, com a implantação do Ponto de Cultura “Nas Trilhas do Quilombo Brotas”, em 2010, na comunidade Brotas, essa política pública voltada para as questões culturais está fazendo que nem todos os moradores do quilombo, mas boa parte deles, tenham uma postura diferente diante das questões conflitantes da comunidade.
Dessa forma, é possível sim que uma comunidade, por meio da fomentação da cultura popular, incentivada por uma política pública governamental, possa encontrar caminhos possíveis e viáveis para se autoafirmar como uma comunidade quilombola, orgulhosa de sua história e ancestralidade. E que, por meio das ações realizadas e da valorização da memória oral, se una e construa uma identidade que fixe como característica marcante e permita a seus autores se apoderar da própria cultura e história e ganhar força de articulação por meio da raiz ancestral para reivindicar possibilidades e direito para toda a comunidade.
Isso só é concebível porque a cultura permeia todas as ações da sociedade. Com este artigo, pode-se compreender que a cultura pode ser, portanto, comportamento, e no Quilombo Brotas, tornou-se postura perante o mundo. Como encarar as questões do dia a dia faz parte da cultura de se portar diante de desrespeitos, preconceito, humilhação. Assim como a luta individual, coletiva, a resistência, o trato com as pessoas.
Compreende-se, então, que somente por meio da cultura é que a comunidade quilombola Brotas pode se apropriar de sua memória e dar a devida importância a seu papel fundamental na sociedade itatibense.
É importante reconhecer o esforço da comunidade em criar amplas possibilidades. Para o futuro, é possível que a comunidade continue avançando para conquistar suas necessidades, que possa por meio da valorização da história e da cultura se tornar, cada vez mais, forte para enfrentar as dificuldades vindouras. O momento é de focar na valorização cultural para as crianças, para que elas cresçam possuam orgulho de serem quilombola e possam, assim, levar adiante a tradição do Quilombo Brotas de viver durante anos compartilhando do mesmo território, conflitos e histórias.
Reflexões quanto a visita ao Quilombo de Brotas em Itatiba
Quando pensamos em uma escola a primeira imagem que nos vem à cabeça são nossas prévias experiências da infância e adolescência relacionadas a esta instituição. Quando entramos no curso de pedagogia, disciplina após disciplina desnudamos esta construção histórica e social que é a escola. Nos parece as vezes um tanto quanto óbvio que um currículo deve ser multidisciplinar entretanto, quando voltamos nossos olhos para o currículo real longe das costumeiras prescrições dos discursos pedagógicos presentes nas redações dos currículos sofremos um choque entre o “desejar ser” e aquilo que de fato é.
A instituição escolar possui sua própria cultura. Cultura esta que não se desliga em nada da sociedade em que está inserida e que também a reflete. Espera-se sempre um modelo de professor, um modelo de aluno, aqueles que se adaptam a essa estrutura pré-moldada são considerados bons, aqueles que não se adaptam representam um problema a ser resolvido para que se encaixem no modelo almejado, mas quem, afinal define tais modelos? A própria sociedade. Mas não a sociedade como um todo e sim aquela que parcela detentora do poder. Desta forma criamos uma série de relações humanas baseadas em estereótipos que, independente de sua origem deve-se almejar para que o sucesso seja obtido, são assim criados vários modelos e de certa modo não veladamente o indivíduo é doutrinado a escolher um destes modelos de sucesso para seguir para garantir seu espaço.
O que significa ser uma minoria? Para alguns autores significa não estar no topo das relações de poder mesmo que numericamente a minoria seja superior ao padrão social vigente. Quando relacionamos isso ao Quilombo de Brotas: geração após geração mulheres de ascendência africana lutaram para que tivessem mantidos seus direitos básicos de subsistência e sua terra.
O interesse em ostentar o título de “Quilombo” somente se fortificou quando houve a ameaça de se perder o básico: a terra. Essa ameaça adveio de interesses imobiliários na região onde o quilombo está inserido entre outros problemas como o pagamento de impostos, o direito ao acesso a saneamento básico, energia elétrica, água. A tradição de luta das mulheres deste quilombo é admirável, entretanto, nunca se afastou desta luta pelo mínimo. A pergunta que deve ser formulada é: por quê? Por quê apesar desta força nunca conseguiram se afastar da condição de subsistência?
Ao conversar com a liderança feminina do Quilombo de Brotas a sra Ana Teresa Barbosa, bisneta de Emília, fundadora do quilombo - foi marcante o ênfase dado ao preconceito relacionado à “cor” negra e a condição econômica desfavorável. No texto de Sacristán sobre a diversidade cultural esta nuance do preconceito nas relações culturais foram apresentadas com detalhamento ímpar e nos convida a refletir a respeito do principio de igualdade proposto pela instituição escolar e como direta ou indiretamente essa mentalidade dominante afeta a vida daquela comunidade.
Há um longo caminho a ser percorrido para trabalharmos conceitos e visões de mundo que são sentidos dentro da escola e como esta lida com as diferenças. Uma vez que as crianças do quilombo são tratadas de modo “igual” ignora-se a ausência do capital cultural valorizado pela sociedade em detrimento as tradições e cultura dos quilombolas. Seria necessário um tratamento diferenciado (como esforço escolar) ao menos no tocante ao conteúdos e não serem tratadas de modo a se enquadrarem na visão etnocêntrica e normatizadora das instituições para que pudessem realmente ter condições de igualdade.
Outro aspecto é o nítido preconceito que sofrem, preconceito latente por sua condição social e também pela distinção de raça, apenas recentemente quando este grupo conseguiu a distinção de Quilombo é que este fato começou a mudar. Mas apenas no discurso, na prática ainda impera o estereótipo cultural.
Agradeço a todos os moradores do Quilombo Brotas, que permitiram a realização deste trabalho dentro da comunidade. Sempre muito receptivos, eles me ajudaram a compreender um pouco mais da história daquele lugar e fizeram que aumentasse o meu respeito pela comunidade.
Agradeço a professora Aparecida das Graças Geraldo, por organizar este trabalho de campo e conduzir o processo de conhecimento e aprendizado, com muita paciência, orientando-nos a cada passo dado na construção do raciocínio e ideias para se chegar à conclusão deste relatório.
Aos meus companheiros de viagem, pares licenciandos que apoiaram a atividade.
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