Crise do Antigo Regime
A Revolução Francesa é um dos grandes acontecimentos
históricos que marcaram a superação do feudalismo pelo capitalismo. É
tradicionalmente utilizada para assinalar o início da Idade Contemporânea.
Liderado pela burguesia, o movimento contou com a participação de vários grupos
sociais: a população miserável das cidades, os pequenos produtores e
comerciantes, os camponeses explorados pela servidão etc. Ao final do longo
processo revolucionário, destruindo a decadente estrutura do Antigo Regime, a
burguesia chegou ao poder e acabou com o privilégio de nascimento da nobreza.
Mas, em seu lugar, colocou o privilégio social do dinheiro, da conquista de
riquezas econômicas. Para entender o processo revolucionário francês, vamos
conhecer a situação social, econômica e política da França, no final do século
XVIII.
Com 25 milhões de habitantes, no final do século XVIII, a
França era o país mais populoso da Europa ocidental. No Antigo Regime, a
sociedade francesa estava dividida juridicamente em três ordens ou estamentos
sociais: o clero (primeiro estado); a nobreza (segundo estado); e o restante da
população (terceiro estado). Cada uma dessas ordens dividia-se em diferentes
grupos, por vezes rivais. Primeiro estado - Constituído pelo clero, o primeiro
estado contava com aproximadamente 120 mil pessoas. Segundo estado -
Constituído pela nobreza, o segundo estado contava com aproximadamente 350 mil
pessoas.
Terceiro estado - Formado pela grande maioria da sociedade,
o terceiro estado contava com mais de 24 milhões de pessoas, representando
cerca de 96% de toda a população. Reunia diferentes grupos sociais, entre os
quais podemos distinguir: a burguesia; os sans-culotte - camada social urbana
de aproximadamente 200 mil pessoas, composta por artesãos, aprendizes de
ofícios, assalariados e desempregados marginalizados; e os camponeses -
trabalhadores livres e semi-livres e os servos presos às obrigações feudais.
Crise econômica A economia francesa era predominantemente agrária e ainda
mantinha a estrutura feudal. Embora aproximadamente 80% da população trabalhassem
no campo, sua produção era insuficiente para atender toda a sociedade. Secas e
inundações agravavam a situação da agricultura desde 1784. Uma sucessão de
desastrosas colheitas provocava crise de abastecimento nas cidades. O preço dos
alimentos subia assustadoramente, e o povo vivia numa situação de miséria e
fome. Os pobres mal conseguiam comprar pão. A esse quadro de dificuldades
somou-se ainda a grave crise da indústria francesa, devido, em grande parte, ao
tratado firmado em 1786 com a Inglaterra. Por esse tratado, os ingleses
exportariam tecidos para a França, enquanto os franceses exportariam vinhos
para a Inglaterra. A indústria têxtil francesa, entretanto, não suportou a
concorrência dos tecidos ingleses em seu mercado interno.
A crise industrial francesa provocou o desemprego de muitos
operários, ampliando o número de famintos e marginalizados urbanos. Além de
tudo isso, o governo francês atravessava séria crise financeira, que se
acumulava desde o reinado de Luís XIV. As despesas do Estado eram muito
superiores às receitas do tesouro público. O déficit era crônico e a única
maneira de saná-lo seria promover uma reforma tributária que eliminasse a
isenção de impostos concedida ao clero e à nobreza. Essas ordens, entretanto,
não estavam dispostas a perder seus tradicionais privilégios. Situação política
Os diversos grupos do terceiro estado, apesar das diferenças sociais,
opunham-se aos privilégios concedidos à nobreza e ao clero. Reivindicavam um
regime jurídico de igualdade de todos perante a lei, pois apenas o clero e a
nobreza possuíam uma série de benefícios políticos e tributários. Dentre esses
grupos, a burguesia, defendendo seus interesses econômicos e sociais, era o que
adquiria cada vez mais consciência da necessidade de mudanças. A alta
burguesia, sobretudo, acreditava que o desenvolvimento do capitalismo só
ocorreria mediante uma reestruturação do Estado. Isso significava combater o
absolutismo monárquico, a excessiva intervenção do Estado na economia, a
intolerância filosófica e religiosa e os privilégios hereditários da nobreza e
do clero. O fundamento filosófico dessas ideias era o Iluminismo.
PROCESSO
REVOLUCIONÁRIO
O longo processo revolucionário francês (1789-1799) foi
complexo e contraditório. Para melhor entendê-lo, os historiadores costumam
dividi-lo em diferentes fases. Não havendo um consenso entre os historiadores
sobre essa divisão, adotaremos aqui a seguinte:
Revolta aristocrática;
Assembleia Nacional Constituinte;
Monarquia constitucional;
República e Convenção Nacional;
Governo do Diretório.
Revolta aristocrática
Para solucionar a grave crise econômica da França, o rei
Luís XVI viu-se obrigado a criar novos tributos para o terceiro estado, ou a
acabar com a isenção tributária do primeiro e segundo estados. Sentindo seus
privilégios tradicionais ameaçados, a nobreza e o clero se revoltaram, em 1787,
e pressionaram o rei para que convocasse a Assembleia dos Estados Gerais. O
objetivo era obrigar o terceiro estado a assumir os tributos. Contavam para
isso com o próprio sistema tradicional de votação da Assembleia. A votação era
feita por grupo, ou seja, cada ordem social tinha direito a apenas um voto,
independentemente do número de representantes. Assim, clero e nobreza, unidos,
teriam sempre dois votos contra apenas um voto do terceiro estado. No início de
maio de 1789, a Assembleia dos Estados Gerais, convocada por Luís XVI,
reuniu-se no Palácio de Versalhes, e logo surgiram os conflitos entre as ordens
privilegiadas (nobreza e clero) e o terceiro estado. A nobreza e o clero queriam
votar os projetos em separado, valendo o voto por ordem social. O terceiro
estado, que tinha mais representantes que a nobreza e o clero juntos, não
aceitou o sistema tradicional de votação. Exigiu que a votação fosse realizada
pelo voto individual dos deputados, pois, assim, teria condições de vencer e
fazer valer suas decisões. Afinal, os deputados representantes do terceiro
estado eram majoritários na Assembleia e, ainda, passaram a contar com o apoio
do baixo clero. Apoiados pelo rei, os representantes da nobreza e do clero não
concordavam com a mudança na regra de votação pretendida pelo terceiro estado.
O conflito entre as ordens paralisou os trabalhos.
Assembleia Nacional Constituinte
Em 17 de junho de 1789, os representantes do terceiro estado
se revoltaram, proclamando-se em Assembleia Nacional Constituinte, com o objetivo
de elaborar uma Constituição para a França. O rei ordenou o fechamento da sala
de reuniões, tentando dissolver a Assembleia Nacional. Mas o terceiro estado,
liderado pela burguesia, transferiu-se para um salão de jogos do palácio, que
era utilizado pela nobreza. Nesse local improvisado, os membros do terceiro
estado decidiram permanecer reunidos até redigir uma Constituição para o país.
Esse episódio ficou conhecido como o Juramento do Jogo da Pela. Luís XVI tentou
reagir, organizando tropas para lutar contra o terceiro estado, mas a revolta
popular já tomava as ruas. Um dos principais slogans lançados pelos
revolucionários era: liberdade, igualdade e fraternidade.
No dia 14 de julho de 1789, o povo, em massa, invadiu e
tomou a velha prisão da Bastilha, símbolo do poder absoluto do rei, onde eram
aprisionados os inimigos políticos da monarquia francesa. Além de libertar os
prisioneiros, a multidão esperava apossar-se das armas estocadas na Bastilha e
usá-las na defesa dos ideais do terceiro estado. De Paris, a revolta popular
espalhou-se por toda a França. Fim do regime feudal e dos privilégios Sem
forças para dominar a agitação política e social, o rei Luís XVI foi obrigado a
reconhecer a legitimidade da Assembleia Nacional Constituinte. Por sua vez, a Assembleia
procurou tomar medidas de grande alcance popular para conter a fúria
revolucionária das massas camponesa e urbana. Em 4 de agosto de 1789, a Assembleia
aboliu o regime feudal, eliminando os direitos senhoriais sobre os camponeses,
e acabou com os privilégios tributários do clero e da nobreza. Direitos do
Homem No dia 26 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional proclamou a célebre
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Os principais pontos defendidos
por esse documento foram:
§ o
respeito pela dignidade da pessoa humana;
§ a
liberdade e a igualdade dos cidadãos perante a lei;
§ o
direito à propriedade individual;
§ o
direito de resistência à opressão política;
§ a
liberdade de pensamento e de opinião.
A
partir do século XIX, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão alcançou
grande influência na Europa, América e em toda parte onde começou a prevalecer
o liberalismo democrático. Os princípios básicos desta Declaração foram
incorporados às Constituições de muitos países do mundo.
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