Há um modelo neo-platônico que diz que a Arte é uma representação da idéia de Beleza, que a Ciência é uma representação da idéia da Verdade e que a Política é uma representação da idéia de Bondade. A mídia transformou a Arte, a Política e a Ciência em discursos e, hoje dizemos que o Discurso Artístico tem uma ênfase na sujeito (e no ‘Eu’); que o Discurso Científico, no objeto (e no ‘Ele’); e o Discurso Político, no intersubjetivo (e no ‘Nós’). É claro que a arte também tem relações discursivas com o verdadeiro e com a ética (assim como a política e a ciência têm relações discursivas com o belo), mas este modelo neo-platônico, pela sua simplicidade e abrangência, apresenta um mapa geral precioso para reflexão e crítica.
Quando me refiro à hermenêutica, estou me referindo a um todo um movimento ainda em curso, que envolve importantes pensadores bastante diferentes (George Dumezil, Michel Foucault, Mircea Eliade) – que, no entanto, tem em comum a construção sistemas de interpretação simbólica conjugando as perspectivas arqueológica e histórica; e desdobramentos atuais específicos bem originais (como Clifford Geertz na antropologia e John Thompson na sociologia da mídia).
Digo isto para que não se pense que a hermenêutica é uma abordagem exclusiva de Paul Ricouer e que a arte não é interpretável como objeto hermenêutico. Sabe-se que para a hermenêutica ricoueriana (principalmente na segunda fase, em que troca o símbolo pela metáfora como unidade de análise dos discursos) a pintura abstrata, a música instrumental e o cinema (entre outros suportes audiovisuais) não são passíveis de análise discursiva, porque não se constituem como textos interpretáveis. Para essa perspectiva, a arte não é (necessariamente) um discurso. Para nós, a mídia transforma (invariavelmente) os objetos de arte em discurso e a hermenêutica é uma arte (e não uma teoria). A arte da interpretação dos sistemas de interpretação. E como tal está presente nas artes dramáticas, nas ciências jurídicas, na análise dos sonhos e em uma série de domínios que foge ao modelo predominantemente voltado para a análise dos discursos verbais, idealizado por Digouer.
O professor Cláudio Costa, no artigo A essência da grande arte (2006, 25-34) apresenta e compara algumas das mais influentes teorias da arte e escolhe uma forma específica de teoria expressivista, como a mais sofisticada e adequada para explicar o discurso artístico em geral. E para chegar a essa escolha, o professor constrói uma arqueologia das teorias da arte, levantando diferentes concepções artísticas.
Representaciolismo é a concepção que acredita que a função da arte é representar algo. A primeira geração de representacionalistas é a de Platão e Aristóteles, que entendiam a arte como mimese ou imitação, uma representação naturalista da realidade. Mas, a música instrumental ou várias obras da antiguidade, desmentem essa concepção. Há também uma segunda geração de representacionalistas, que amplia a idéia de representação para um universo não-figurativo de representação convencional ou simbólica (o sol representa os homens; a lua, as mulheres), e o neo-representacionalismo (DANTO, 1981; CARROL, 1999 apud COSTA, 2006, 27) que troca a referência (o objeto representado) por um 'conteúdo semântico', assim a arte representa alguma idéia, “tem um significado” para ser interpretado. Costa considera os modelos dessas três gerações de representacionalismo são insuficientes para dar conta de caracterizar o discurso artístico, principalmente em relação ao seu aspecto emocional, que extrapola seu conteúdo semântico.
Formalismo é a concepção que pensa que “o que caracteriza a arte é a sua forma (significante) e não o seu caráter representativo” (2006, 28). Costa considera Clive Bell seu principal defensor, mas é possível fazer uma seleção de críticos mais consistente, uma vez que há objeções diferentes às explicações representacionalistas.
Também há a pretensa Teoria Institucional, segundo Costa sustentada por George Dickie, que “enfatiza a importância da comunidade de conhecedores de arte na definição e na ampliação dos limites daquilo que pode ser chamado de arte” (2006, 29). E embora se possa ampliar a capacidade de definição do que é belo a todo público, este modo de pensar é relativista e tautológico, não ajudando a entender o que é arte.
E finalmente, o expressivismo é a concepção que pensa a arte como expressão das emoções. A ciência estuda eventos exteriores e a arte expressa nosso mundo interior. Também aqui há diferentes e variadas versões. O representacionalismo aristotélico admitia uma função catártica da arte como uma purgação emocional. Tolstoy é para Costa um exemplo de expressivismo ingênuo. Já Freud é um expressivismo complexo (uma vez que também levam em conta os aspectos formais e representacionais em suas análises da arte e na interpretação dos sonhos). Trata-se na verdade de uma questão de ênfase, pois há formalismos e representacionalismo com fortes cores expresssivistas, assim como há expressivistas bastantes formais e/ou representacionalistas.
Porém, “a versão mais sofisticada do expressivismo” para Costa é o trabalho do filósofo inglês R. G. Collingwood, principalmente no livro Principles of Arts. Para Collingwood há duas artes: a grande arte (art proper, isto é a arte propriamente dita), que está a serviço da elevação da consciência; e a má arte, que “se passa por arte sem realmente sê-lo, a arte 'assim chamada' (so called)”, que serve a corrupção da consciência e têm dois tipos ideais: o entretenimento e a 'arte mágica' ou utilitária (um hino patriótico evoca emoções cívicas, por exemplo). A grande arte, ao contrário, é aquela que “capaz de produzir, na audiência e no próprio artista, uma maior compreensão de seus próprios sentimentos e, com isso, uma ampliação e regeneração de seu auto-conhecimento e consciência” (2006, 30). Costa considera a teoria de Collingwood a melhor para caracterizar a essência universal da arte, mas considera também que ela o faz de um modo ainda “alusivo e limitado”. Leve-se em conta que Costa é um filósofo da linguagem, talvez um dos principais no cenário nacional, o que significa que sua abordagem sobre “a essência da arte” enfoca o significado (ou os diferentes significados) da palavra 'arte' e não a “função social da arte” ou a “essência metafísica da arte” como fazem outros autores. Para ele, é importante determinar o que a arte moderna tem em comum com outras artes, de outros tempos e locais, a partir do significado comum que se dá a essa arte.
“A teoria de Collingwood é, ou assim me parece, a que mais se aproxima do intento de definir a arte em seu sentido mais relevante. Ela chega próximo de estabelecer condições suficientes para a definição de arte própria, ou seja, das condições que constituem a essência comum à arte, no sentido da palavra, que realmente importa considerar” (2006 – 31).
E isto acarreta em uma vantagem e algumas desvantagens. A vantagem, o leitor deve ter percebido, é a genial arqueologia das teorias estéticas, das diferentes formas de conceber o discurso artístico – que Costa constrói com uns poucos traços rápidos, com a perícia e leveza de pintor zen japonês.
As desvantagens, no entanto, decorrem dessa 'falta de recheio' do enquadramento formal construído indiretamente, definindo seu objeto (a arte ou discurso artístico) através dos discursos teóricos que falam sobre ele. E a arte não é apenas uma palavra. Aliás, em muitos casos o discurso artístico é fortemente não-verbal, anti-racional e rebelde às definições conceituais e aos enfoques analíticos que tentam enquadrá-lo. Outra desvantagem do trabalho de Costa é que desconsidera alguns pensadores importantes em sua metateoria estética, justamente os que dão ênfase à forma associada às mudanças dos estados de consciência. Destacamos três: Bachelard, Benjamim e Bystrina.
Para Gaston Bachelard, o instante poético (e, consequentemente, o momento de criação artística em geral ou insight criativo) é uma verticalização do tempo, que se torna mais simultâneo e menos contínuo, comparada ao transe místico e à experiência do sagrado. Bachelard é um pensador ‘duplo’: tem textos ‘diurnos’ dedicados à epistemologia da ciência e textos ‘noturnos’ sobre o universo simbólico da arte. Em seus textos noturnos, ele adota uma perspectiva da psicologia junguiana, em que o inconsciente é coletivo e habitado por formas e temas transculturais, os arquétipos, elementos recorrentes nos sonhos e nas obras de artes. Há ainda na psicanálise estética bachelardiana, no plano de percepção individual, uma experiência cognitiva visual (ou a imaginação dos olhos) e uma experiência cognitiva material (ou a imaginação das mãos). Para Bachelard, a imaginação material, expressa através dos padrões dos quatro elementos (terra, água, ar e fogo), é a linguagem primária do incosnciente.
Walter Benjamim é outra referência obrigatória quando se trata de uma teoria que dê conta da arte moderna e da arte tradicional de vários tempos e lugares. Em A Obra de Arte na era de sua reprodutividade técnica (1983, 5-28), Benjamim ressalta o impacto que a produção em série de objetos pela indústria teve sobre a percepção. Houve um tempo em que apenas as moedas cunhadas e a xilogravura eram objetos em que as cópias não se distinguiam dos originais. A obra de arte era única no tempo e no espaço e isso lhe conferia uma áurea, uma presença sagrada. Hoje praticamente tudo é reproduzido de modo idêntico. A áurea e a sagralidade da arte migraram da obra para o artista.
Em outros textos, como em Sobre alguns temas em Baudelaire (1983, 29-56), Benjamim enfatiza que artista moderno é sagrado e é sua vida que dá sentido a sua obra. Além disso, a função social da arte deixaria de ser religiosa e passaria a ser política (política aqui entendida no sentido mais amplo, como uma pedagogia da vida social). Ou seja: Para Benjamin, a reprodutividade técnica (a capacidade de produção em série sem distinção entre original e cópia) transformou nossa percepção da realidade e nossa sensibilidade estética – deslocando a singularidade da arte do campo do objeto para o interior do sujeito, transformando a ‘espiritualidade da criação’ na ‘genialidade do seu criador”.
Há ainda o semiólogo theco Ivan Bystrina (1995) e a corrente denominada de Semiótica da Cultura. Comparando-se a comunicação humana com a linguagem de outras espécies animais e chega-se a uma definição de três níveis inter-relacionados de codificação de mensagens: Código primário ou hipo-lingüístico, Código secundário ou lingüístico e Código terciário ou hiper-lingüístico. Esta “segunda realidade” formada por nossos sonhos e desejos profundos teria suas origens ontológicas em quatro fontes possíveis: o sonho, as doenças mentais, o êxtase místico induzido e os jogos. Porém, o objeto central da semiótica da cultura de Bystrina é a obra de arte, por ser “uma mensagem que comunica a si mesma, que tem por referência principal sua própria estrutura”. E, portanto, (a arte) se constitui como um texto (para nós, como discurso) articulado simultaneamente através dos três níveis de codificação, mas com destaque para o aspecto simbólico.
este recheio BBB (Bachelard, Benjamin, Bystrina) no modelo teórico de Collingwood, que vê a arte como um processo de corrupção e/ou elevação da consciência, algumas questões se colocam em nossa análise. Em primeiro lugar, a obra de arte não é apenas expressão das emoções primárias. Os outros animais não fazem (o que chamamos de) arte. A dança dos pássaros e dos peixes é uma linguagem instrumental. Bystrina afirma que a função da arte é “a sobrevivência psíquica” do homem, em oposição às necessidades materiais e biológicas. As obras de arte são os tijolos, com os quais construímos a cultura ou ‘segunda realidade’. Também é necessário observar que, ao invés de “elevação da consciência” é preferível falar de ampliação do horizonte cultural do observador da obra de arte e da reconstrução ampliada de sua identidade simbólica de um ponto de vista perceptivo. E ao invés de falar de “corrupção da consciência”, talvez seja melhor falar de um fortalecimento das emoções primárias de pertencimento social, e de reafirmação dos limites da identidade simbólica.
E mesmo com essas ressalvas, a oposição entre grande arte (que eleva a consciência) e arte má (que a corrompe e atrofia) pode gerar concepções elitistas, como a de Adorno, feita com parte das idéias de Benjamim. Adorno substitui a idéia de ‘reprodutividade técnica’ pela de ‘indústria cultural’, considerando que toda arte industrializada pelos meios de comunicação de massa corrompe a consciência. É preciso entender as distinções propostas por Collingwood como ‘tipos ideais’ e não como classificações fixas de elementos concretos. A arte corrompe (ou reforça pertenças) e eleva a consciência (ou amplia a identidade cultural) ao mesmo tempo. Do mesmo modo, a distinção entre arte de entretenimento e arte utilitária é apenas conceitual, em relação ao discurso artístico industrializado pela mídia. Na prática, há os três elementos (a ampliação/reafirmação da identidade, o divertimento e a sugestão política de mudança e/ou de conservação das relações sociais) distribuídos em diferentes proporções. E se há alguma possibilidade qualificar a arte como boa ou má, essa deve observar a quantidade desses três elementos gerais em sua composição particular.
E não é só isso! Ao contrário de Adorno, Benjamim percebe a mudança que os meios de comunicação exercem sobre a arte como uma ampliação democrática do acesso à sensibilidade estética e, principalmente, que a arte na era de sua reprodutividade técnica continua ‘revolucionária’. Benjamin percebeu ainda que o audiovisual promove o retorno do simbólico dentro do histórico, da oralidade dentro do universo da escrita. Mas, ele não entendeu (nem poderia) que a comunicação em redes em tempo real está nos levando à unificação dos contextos de transmissão e recepção e a interação social.
Hoje é lugar comum, nos estudos de comunicação social, a compreensão que o papel dos meios de produção de mensagens (foco sociológico) e da linguagem da mídia (focos semiótico e lingüístico) é secundário em relação às suas diferentes recepções e a uma perspectiva interpretativa mais complexa, que leva em conta múltiplos aspectos.
E para compreender a arte como discurso mediado, o modelo proposto por Bystrina é interessante.
1. Em contanto com a arte, nosso corpo sente alegria, medo, raiva, amor. A percepção primária é de natureza emocional e funciona a partir da memória coletiva da espécie humana e da noção de pertencimento territorial, da ampliação e/ou reafirmação da identidade étcnica.
2. Em contato com a arte, nossa mente associa e compara as narrativas simbólicas à(s) nossa(s) história(s) (biográficas, familiares e grupais). A percepção secundária é que dá sentido à percepção primária de ordem emocional. Ela é uma memória coletiva artificial, construída a partir da experiência específica de cada grupo social.
3. Em contato com a arte, é que nosso espírito sonha seus destinos. Além das emoções e acima das tradições, a percepção terciária funciona através da imaginação individual, dos sonhos.
Resumindo, diante da arte, o corpo se sente presente, a mente se lembra do passado e a alma projeta seu futuro. E a comunicação foi imagem, está palavra e será música. E é também o mito das três moiras, a estrutura trifásica do destino e o personagem mais abstrato das narrativas metalingüísticas contemporâneas, como veremos a seguir.
Antropologia da Performance: Outra grande contribuição à da aproximação dos elementos teatrais à análise sociológica é o clássico A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1985) de Irving Goffman; e da corrente teórica dela derivada, intitulada Antropologia da Performance: Vitor Turner, Richard Schechner e John Cowart Dwnsey.
Para Goffman, a representação faz parte integrante da vida cotidiana, em que o relacionamento social é montado como uma cena teatral, com seu cenário, seus adereços e seu script, por meio dos quais a pessoa se dirige às audiências encenando determinados papeis, que nem sempre são congruentes com sua privacidade. Goffman, no entanto, entende essa representação como um jogo coletivo da identidade individual, tendo como foco os grupos, em uma perspectiva da psicologia social.
Já os trabalhos do antropólogo Victor Turner (1974, 2005) são voltados para entender a representação social no âmbito dos rituais. Turner usa a antropologia para propor um ‘contrateatro’ ou ‘metateatro’ do cotidiano, compreendendo a vida social a partir dos momentos de suspensão de papéis, fazendo emergir os conteúdos expressivos das contradições e tensões inerentes à própria realidade social em que se inserem. Turner elabora o conceito de ‘drama social’, como de um processo de quatro momentos: crise ou ruptura inicial; intensificação da crise; ação reparadora; e desfecho, que pode levar tanto à ruptura quanto ao fortalecimento da estrutura. O drama é sempre um conflito mediado pela representação. E, a partir desses quatro momentos ideais, presentes em todos rituais e no teatro, passa a investigar diferentes situações em que o drama social se coloca como uma realidade em parte representada, em parte vivida pelos atores.
Ao contrário de Goffman e Turner, que utilizaram conceitos teatrais para repensar a psicologia social e a antropologia, Richard Schechner (1995, 2002) é um teatrólogo que usa as ciências sociais para pensar as artes dramáticas. Assim, o foco dos estudos de Schechner é o teatro e não a vida social, com ênfase principalmente na relação entre performer e audiência. Schechner desenvolve uma análise comparativa entre eventos performáticos teatrais investigados em várias partes do mundo. E conclui que existem diferentes tipos de públicos e diferentes tipos de performances. Ele avalia que a leitura e re-interpretação dessas realidades contextuais podem contribuir para mudança dos eventos performáticos.
Outro trabalho importante é de John Dawsey (2005), principal divulgador brasileiro dos trabalhos de Turner e Schechner, como também enriquecedor da própria antropologia da performance através de sua inserção criativa do pensamento de Walter Benjamim e do teatro Bertoldt Brecht nessa abordagem. Todas essas abordagens e teorizações criaram novos conceitos, noções comuns às artes dramáticas e às ciências sociais, uma nova nomenclatura e uma nova forma de pensar.
Por exemplo: Atores (e não agentes ou sujeitos) são os elementos intencionais do modelo. Eles são condicionados por vários outros elementos fixos ou estáticos (Cenários, Roteiros-Scripts e Enquadramentos), mas têm iniciativa própria – o que os caracteriza. Consideramos ‘Atores Políticos’ não apenas os indivíduos (candidatos e os ocupantes de cargos públicos), mas, sobretudo, os atores coletivos: os partidos políticos, as diferentes instituições da sociedade civil (sindicatos, associações, escolas), os diferentes níveis de governo (municipal, estadual, federal), etc.
Quando os Atores estão em Cena, eles assumem Papéis (e não funções ou lugares na estrutura social). Pode-se subdividi-los em três tipos de papéis principais: Protagonistas, Antagonistas e coadjuvantes. [1]
Entende-se por Roteiro a sucessão de fases e etapas de interação entre os Personagens. Os atores, ao assumirem papéis, dão vida aos personagens dentro de uma seqüência de acontecimentos que formam o roteiro. Performance é, mais do que o desempenho dos atores, sua capacidade de interpretação do roteiro, a liberdade de improvisar em cena.
Cenário de Representação (e não contexto ou conjunturas) é o conjunto de relações que envolvem os atores, seja em seu aspecto visível, no seu Enquadramento (e não de recorte epistemológico ou paradigma), seja no seu aspecto invisível, em seus Bastidores. Isto é, quando os Atores conversam sobre seus Papeis no Cenário de Representação. No caso das sociedades atuais, o cenário mais geral é a cultura midiática; o enquadramento dos atores políticos é construído principalmente pela TV de sinal aberto e os bastidores são as negociações políticas. No entanto, é bom alertar que esses mesmos conceitos (Enquadramento e Cenário de Representação) já foram usados por vários outros autores em contextos metodológicos bastantes diferentes.
A noção de Enquadramento (ou frame temporal) foi originalmente formulada por Goffman como sendo formada pelos princípios que governavam a organização da experiência cotidiana, sendo apropriada pelos estudos da mídia por vários autores contemporâneos importantes, como Gaye Tuchman, para citar uma versão voltada para o estudo do jornalismo. Para Entman (1994, 294, APUD PORTO, 2007, 117), os enquadramentos “selecionam determinados aspectos de uma realidade percebida e os fazem mais salientes no texto comunicado, de forma a promover uma definição particular do problema, interpretação causal, avaliação moral e/ou recomendação de tratamento do item descrito”. No Brasil, Mauro Porto é o grande introdutor da noção nos estudos de mídia e processos eleitorais, tanto no estudo do jornalismo impresso como no telejornalismo.
Outro conceito importante importado do teatro para ciências sociais e que teve várias e diferentes adaptações teóricas é o de Cenário de Representação da Política (CR-P). Segundo Venício Lima, o elaborador original do conceito “[...] o CR-P é o espaço específico de representação da política nas ‘democracias representativas’ contemporâneas, constituído e constituidor, lugar e objeto da articulação hegemônica total, construído em processos de longo prazo, na mídia e pela mídia, sobretudo na e pela televisão. Como a hegemonia, o CR-P não pode nunca ser singular. Temos, portanto, que acrescentar ao conceito de CR-P o conceito de contra-CR-P ou de CR-P alternativo.” (LIMA, 2001, 182-183) Sendo assim, pode-se definir que o Cenário de Representação Política é uma formação discursiva contextual que funciona como um palco para a disputa da hegemonia entre as diferentes interpretações da realidade.
Há analistas que utilizam o conceito de CR-P em um modo ampliado (ALMEIDA, 1999), acrescentando aos EC’s prescritos por Lima (imprensa, marketing, propaganda política), outros elementos (escolas, sindicatos, entidades da sociedade civil) na formação de cada cenário. Há também, como Soares, que o utilize o conceito de Cenário de Representação em modo reduzido, observando apenas o contexto imediato do discurso enunciado.
Do mesmo modo que a noção de Enquadramento - que tanto foi utilizada em um sentido geral, como um modo de ver, como também aplicado a investigações específicas sobre os critérios de seleção de temas do jornalismo impresso – o conceito de CR-P pode ser ampliado ou reduzido. Utilizamos a noção de Cenário de Representação como um contexto de produção das mensagens (ou seja: um meio termo entre a noção ampla “de hegemonia do bloco histórico” e a noção restrita “de contexto de enunciação discursiva”) e o de Enquadramento como uma tendência de interpretação (isto é: como um meio termo entre a noção ampla “de enfoque estrutural dos meios de comunicação” e a noção restrita “de um modo de agendamento opinativo”).
É importante ressaltar que um enquadramento representa o que é visível em um determinado cenário de representação, excluindo-se, portanto, os elementos que fazem parte do cenário, mas que não estão visíveis. O cenário, por sua vez, também pode ser definido como a soma de todos os enquadramentos possíveis ou como os espaços nos quais esses enquadramentos se organizam. Assim, tanto o cenário quanto o enquadramento transcendem o foco da imagem televisiva, mas não se confundem com a sociedade (a objetividade coletiva) nem com a cultura (a subjetividade coletiva).
Todas essas referências teóricas convergentes apontam uma re-interpretação do discurso político contemporâneo, não como uma mentira ou forma de legitimação da força – a representação segundo o poder, mas como uma sátira da vida cotidiana vista através da TV, como uma dupla crítica da representação política e da representação teatral.
O que nos leva a outros temas referentes à Retórica da Mídia nesse livro: as narrativas simbólicas constitutivas do sujeito, a formação de identidades biográficas em função dos cenários e roteiros culturalmente estruturados, a arte vista através da mídia.
Legenda
[1] Ou aos papéis biológicos de dominação, contestação e submissão dentro de grupos. LEWIN (1965, 1989) definiu esse três comportamentos a partir do estudo de vários grupos de animais (insetos, mamíferos, répteis). Em outros trabalhos, os redefini como “pastores, ovelhas e lobos”(GOmes, 2000).
Referências
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