segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O GOVERNO DUTRA

Assista ao vídeo, mas não deixe de ler o resumo abaixo para melhor compreensão do período histórico.



Com a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial e a consequente derrota das ditaduras do Eixo, os mais diversos grupos sociais passaram a clamar por uma urgente redemocratização das instâncias políticas internacionais. A despeito da participação da União Soviética stalinista nesse triunfo, o recado que o fim da guerra parecia dar ao mundo era que as relações humanas precisavam ser travadas em níveis mais liberais. A criação da ONU, a Declaração dos Direitos Humanos e a difusão dos movimentos de descolonização imperialista correspondiam, em planos distintos, a essas novas demandas.


Presidente Dutra (Foto: Divulgação)
Em terras brasileiras, mesmo com a popularidade do presidente Getúlio Vargas, tal clamor libertário se materializou no crescimento das críticas ao Estado Novo. Setores das forças armadas e da imprensa encabeçavam a oposição à ditadura varguista, que viria a padecer com a convocação de novas eleições presidenciais, das quais Vargas fora proibido de participar e Eurico Gaspar Dutra sairia vitorioso.
É importante lembrar que tal mudança na presidência da república não indicou necessariamente um rompimento com a política varguista. Ao contrário, Dutra foi eleito fundamentalmente pelo apoio ofertado por seu antecessor à sua campanha. Além disso, dos novos partidos que viriam a ser criados, dois dos mais importantes apresentavam o “DNA político” de Vargas: o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e a o PSD (Partido Social Democrático). A própria UDN (União Democrática Nacional), representante de setores conservadores e opositores ao Estado Novo, ganhou espaço no espectro político brasileiro justamente pelos ataques que fazia a Getúlio.
DUTRA E A GUERRA FRIA


Constituição de 1946 no jornal (Foto: Reprodução)
Com a chegada de Eurico Gaspar Dutra à presidência da República (1946-1951), o país dava mais um importante passo no processo de redemocratização e de ruptura com a ditadura estadonovista. Neste cenário, a criação de uma nova constituição se impunha como algo fundamental à liberalização das estruturas políticas nacionais. Em 1946, uma nova Carta foi, então, elaborada, através dela estavam garantidas as mais diversas liberdades, como de pensamento e expressão, imprensa e organização partidária.
No entanto, a construção da jovem democracia brasileira foi profundamente abalada pelos caminhos que as relações internacionais tomaram no país. Em um contexto mundial marcado pela Guerra Fria, o Brasil de Dutra se alinhou às diretrizes norte-americanas, o que motivou o corte de relações com a União Soviética, além da perseguição a políticos comunistas e, mais exemplarmente, da cassação do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
As relações entre Brasil e Estados Unidos ficaram ainda mais estreitas com a criação da Missão Abbink e da assinatura do TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca). Enquanto a primeira criava uma comissão com representantes dos dois países para discutir os caminhos tomados pela economia brasileira, o segundo ampliava a rede de combate à expansão comunista no continente americano. A formação da ESG (Escola Superior de Guerra) evidenciava igualmente a interferência estadunidense em importantes questões nacionais, face à grande participação de militares norteamericanos em sua criação.


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

RESENHA - Uma Longa Idade Média


Tornam-se cada vez mais comum a apresentação de trajetórias acadêmicas e intelectuais em forma de testemunho, coletadas a partir de conversas e entrevistas.

Normalmente efetuadas quando o profissional está perto do final de sua carreira e se encontra em idade avançada, na qual a avaliação e organização da obra se evidenciam corriqueiramente.

Para Jacques Le Goff esse tipo de empreendimento já se tornou comum, uma vez que o tem praticado desde o final da década de 1970, devido o sucesso da História das  Mentalidades e do Imaginário. No entanto, enquanto as conversas e entrevistas concedidas nos anos de 1970 e 80 vislumbravam mais a atuação do autor e do grupo, ao qual faz parte até hoje, que é o da ‘terceira geração’ do movimento dos Annales na França, nas que tem oferecido nesta primeira década do século XXI, estas tem demarcado especificamente sua trajetória e produção intelectual.

Com a colaboração e a intervenção de Jean-Maurice de Montremy, Le Goff neste Em busca da Idade Média, conta-nos basicamente como se formou e de que maneira surgiu seu interesse para estudar a civilização do ocidente medieval (termo que cunharia em uma de suas obras), quais foram suas leituras e quais seus autores prediletos, como o período foi estudado e como contribuiu para melhorar a compreensão daquela época – para muitos (ainda hoje) tão distante e exótica.

As conversas que deram origem a obra, revela-nos Montremy, ocorreram entre 21 de fevereiro e 24 de julho de 2002, em intervalos de quinze dias cada encontro.

O texto foi depois inteiramente revisto e ampliado pelo autor. Montremy indica ainda que: “Jacques Le Goff nos convida a descobrir uma civilização-continente. Porque é bem a Europa que se desenha pouco a pouco a partir dessas pesquisas no espaço e no tempo. Uma Europa de fronteiras mais culturais do que geográficas. Uma Europa que jamais foi inteiramente uma ‘cristandade’, ainda que, durante séculos, tenha se imaginado como tal” (LE GOFF, 2006, p. 12).

Para melhor distribuir o conteúdo das conversas, dando-lhes um caráter temático, o texto foi dividido em cinco capítulos, nos quais foi abordado como se tornou medievalista, a Idade Média que se pensou e a que o autor estudou, quais assuntos que estudou em seus livros, como sua obra foi tomando forma e como tem pensado atualmente a civilização do ocidente medieval (dando ênfase aos seus estudos biográficos, como o feito sobre São Francisco de Assis). O conjunto de temas discutidos no livro dá bem o perfil intelectual de seu autor, e, particularmente, demarcam a Idade Média de Jacques Le Goff.

O primeiro ponto discutido foi como e por que Jacques Le Goff decidiu ser um medievalista e resolveu estudar a Idade Média. A constatação inicial da influência das leituras dos romances de Walter Scott, como Ivanhoé (de 1819), no qual identifica um período épico de lutas, conquistas e paixões, já o seduzia desde os 10 anos de idade.

A leitura posterior de A batalha de Bouvines (de 1973) de Georges Duby, com pouco mais de 50 anos, segundo indica, o fez reviver, na época, suas leituras e lembranças do Professor do Curso de História e de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, na Unidade de Amambai.

A infância e da adolescência, quando foi um voraz leitor de romances históricos. Outra influência marcante para o autor foi seu professor de História no Quatrième (equivalente a 5ª série do ensino fundamental no Brasil) Henri Michel. Nos anos de 1930, quando foi seu aluno, o olhar sobre a Idade Média, ainda conduzia os alunos a pensá-la apenas como um momento de trevas. E professores como Henri Michel o auxiliaram a escapar daquelas imagens (formadas a partir do Renascimento, consolidadas no Iluminismo e em pleno século XX ainda estavam em vigor). Em suas palavras:

Na época em que eu lia Walter Scott e me enriquecia com os cursos de Henri Michel, via a Idade Média, apesar de seus ecos contemporâneos, como um mundo longínquo, diferente do nosso. Nela conviviam práticas bárbaras e figuras sublimes, impressionantes. Essa Idade Média já não vivia entre nós: tinha desaparecido. Era um sonho que se esfumaçava (Idem, p. 25).

Com base apenas em suas lembranças, Le Goff fala de como via a década de 1930 e 1940, como um momento de drásticas mudanças para o mundo, e também de alterações  significativas sobre a maneira de se conceber e interpretar a civilização do ocidente medieval.

Sentia muito claramente nossa entrada numa outra era. Adivinhava que essas mudanças materiais, cotidianas, eram um dos componentes fundamentais da História. Que a História ainda uma vez, não se limitava às batalhas, aos reis, aos governos.

Uma certa maneira de ser e de pensar tornava-se ultrapassada. Mais tarde, chamaria esse momento de mudança de mentalidade – mudança que acompanharia as trocas materiais (Idem, p. 27).

Foi tomando consciência do período em que estava vivendo que o autor, ainda de forma rudimentar (como depois dirá), foi percebendo a importância e a função do historiador ‘ao viver e ao fazer viver’ (uma outra época), como depois fez ao estudar a Idade Média. A descoberta da necessidade das fontes para a produção do discurso do historiador foi outro passo fundamental, por que se pode “dizer que toda a história se situa na produção de documentos e na decifração dos documentos a que denominamos “fontes” (Idem, p. 37). E, evidentemente, não somente os documentos escritos, mas todo e qualquer indício que identifique o agir de homens e mulheres do passado.

Para os historiadores ‘positivistas’ do século XIX e do início do século XX, era suficiente reunir documentos, fazer-lhes a crítica do ponto de vista da autenticidade (provar que não eram falsos – a história dos falsos é uma bela página da historiografia) e a obra histórica estava pronta.

Aprendi com meus mestres dos Annales que é o historiador que cria o documento, que confere a traços, a vestígios, como diria Carlo Ginzburg, o status de fonte. O questionamento do historiador – as questões que levanta para si e que levanta em relação ao documento (uma parte essencial de seu ofício) – constitui a base da historiografia, da História (Idem, 38).

No início da década de 1950, o autor se viu diante da questão da delimitação espacial e temporal de seu objeto, pois, todo “medievalista [diz] vê-se diante da questão de seu período”, mas tendo em vista que “os diferentes domínios da atividade humana não se periodizam da mesma maneira”. E para ele não foi diferente, ao ter que questionar a divisão ainda preponderante que era a estabelecida entre os séculos V (476) e XV (1453 em alguns casos, 1492 em outros). Desse modo, não foi por acaso que ele passou a rever a idéia de início e de final do período, que passaria a ser seu objeto de pesquisa. Tal como outros autores o fariam, ele verificou a viabilidade de se pensar uma ‘Antiguidade Tardia’ (entre os séculos V e VIII), para o até então consagrado início do período medieval.

A Idade Média ocidental não é programada. Nasce de uma aculturação na qual se confundem pouco a pouco os usos e costumes grecoromanos com os dos ‘bárbaros’. Nasce também da confrontação com o Islam. Na origem, de fato, nada predispunha o Império do Ocidente – que englobava a África do Norte – a se tornar ‘europeu’. Da conquista muçulmana na Espanha (século VIII) até a hegemonia otomana nos Bálcãs (século XIV), o Ocidente não se concebe em si mesmo como entidade geopolítica. Estrutura-se apenas por sua existência diante de um mundo que se mostra hostil (Idem, p. 80-1).

No caso do final do período houve um questionamento semelhante, na medida em que se procurou pensá-lo não no século XV, mas sim no XVIII. Para ele o Renascimento Italiano foi um dos vários renascimentos vividos pela civilização do ocidente medieval, sendo, portanto, mais um Renascimento medieval.

... as mudanças não se dão jamais de golpe, simultaneamente em todos os setores e em todos os lugares. Eis porque falei de uma longa Idade Média, uma Idade Média que – em certos aspectos de nossa civilização – perdura ainda e, às vezes, desabrocha bem depois das datas oficiais. O mesmo se pode dizer em relação à economia, não se pode falar de mercado antes do século XVIII. A economia rural só consegue fazer desaparecer a fome no século XIX (salvo na Rússia). O vocabulário da política e da economia só muda definitivamente – sinal de mudança das instituições, dos modos de produção e das mentalidades que correspondem a essas alterações – com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial (Idem, p. 66).

A Idade Média foi, portanto, um continente que o autor começou a descobrir em suas pesquisas entre as décadas de 1950 e 1960. Neste aspecto, Le Goff revela por que nesse ínterim acabou não levando a cabo seu doutoramento, e ao mesmo tempo como começava a receber de editores encomendas de obras sobre o período.

Nosso mundo era tradicionalmente regido pelos assuntos de tese e pelas grandes questões de curso, destinadas ao programa de agregação. Surgiram, com os editores, expectativas imprevistas. Faziam-nos um pedido, com o qual já quebravam a ordem convencional, obrigando-nos a um tratamento diferente dos problemas. É um momento importante da história cultural. Os diretores de coleções, os novos tipos de obra, as abordagens diferentes suscitavam de nossa parte um texto diferente, e portanto necessariamente a abertura de campos até então inexplorados (Idem, p. 90).

E foi justamente essa abertura e essa descoberta de novos campos que o fez estudar o ‘mercador-banqueiro’ (categoria social nova que foi surgindo no século XII), a idéia e a organização das universidades na Europa (e a multiplicação de profissões, em função da ampliação da divisão do trabalho nos séculos XII e XIII), com a inovação do trabalho do ‘intelectual’, até chegar nos anos de 1980 e 90 a estudar indivíduos como São Luis e São Francisco de Assis. Nessas pesquisas iniciais observou que a “novidade da Idade Média seria antes o comércio, para o qual o mar tinha grande importância, no Sul (Itália) como no Norte (Alemanha e Báltico)” (Idem, p. 117). Por outro lado, prossegue dizendo que:

Os grandes escolásticos dos séculos XIII-XIV só percebem a economia engastada na religião, para retomar uma expressão de Karl Polanyi [em A grande transformação]. É preciso esperar pelos jesuítas de Salamanca do fim do século XVI para encontrarmos verdadeiros economistas. Os jesuítas que ensinavam na Universidade de Salamanca, o principal dos quais foi Francisco Suárez (1548-1617), introduziram na tradição escolástica de Tomás de Aquino conceitos e raciocínios propriamente econômicos. Os metais preciosos da América e o uso que deles fazia a Casa de Contratación de Sevilha modernizaram uma ciência econômica que já não era medieval. O domínio específico da economia, entretanto, só aparecerá no século XVIII, com os fisiocratas e a noção de mercado (Idem, p. 116-7).

Ao caracterizar em suas pesquisas os aspectos do renascimento dos séculos XII e XIII e as mudanças na forma de atuação do cristianismo, indica que: “Até o século XII, Deus permanece em primeiro lugar como Pai. Depois disso, a figura do Filho o supera (...) Os valores tornam-se carne. Através dos mercadores-banqueiros e dos intelectuais, creio ter situado o quadro essencial de minha reflexão sobre a Idade Média.

O aparecimento dessas duas novas categorias sociais ‘marca’ a civilização medieval” (Idem, p. 119). Mas se de um lado sua obra é marcada por estudos monográficos, de outro, não deixou de lado a preocupação com a docência, elaborando também manuais didáticos para serem usados nas universidades. Foi assim que, na década de 1960, Raymond Bloch lhe fez a sugestão de participar de uma coleção sobre as grandes civilizações. Daí teve origem seu livro A civilização do ocidente medieval publicado em 1964.

Parecia-me também, mergulhado nos manuais de confissão, percorrendo os numerosos sermões dos pregadores, que a Idade Média tinha modelado noções de polidez, de códigos morais, até de urbanidade extremamente novas, na medida em que essa expansão das cidades, dominada, não tinha precedente. Constituiu-se uma civilidade urbana, paralela à cortesia do mundo dos nobres. Só a palavra civilização integrava harmoniosamente os valores de cima e os valores de baixo (Idem, 125).

A noção de ‘criação’ foi o outro termo fundamental para pensar àquelas mudanças. O desenvolvimento da sociedade medieval, por outro lado, foi ainda marcada pelo calendário (a partir do século VII), com base nos sinos das igrejas, e pelas leituras individuais, que a partir do século XIII conheceu a difusão dos Livros de Horas:

“Trata-se de manuais em que a devoção é repartida segundo as horas de cada dia. Exclusivos, claro, dos que sabem ler, destinavam-se portanto a leigos poderosos e principalmente a suas mulheres. Testemunham também um certo crescimento na importância dos leigos e das mulheres na sociedade cristã, crescimento enquadrado pelo calendário. Sabe-se, de resto, que esses Livros de Horas, muitas vezes ricamente ilustrados, forneceram algumas das mais belas obras-primas das miniaturas da Idade Média” (Idem, p. 138-9). Na sua discussão, evidentemente, Le Goff não deixa de tocar em assuntos como o purgatório, a morte, o direito, o monoteísmo do cristianismo, temas para os quais também destinou importantes livros e artigos.

A questão do humanismo, do ateísmo e dos hereges na Idade Média também lhe envolveu a atenção. Isso porque essa caracterização do indivíduo tocava em outro ponto fundamental para o período, que foi a criação e a identificação  do ‘bem’ e do ‘mal’ e, por extensão, de Deus e do Diabo, de anjos e de demônios, de céu e de inferno, tensões para as quais, como foi dito acima, foram a base da civilização do ocidente medieval. Assim, ao avaliar e articular todas as suas obras, dando coerência a sua trajetória, Le Goff não poderia se eximir de chegar a conclusão de que a “Idade Média aqui apresentada é a minha Idade Média” (Idem, p. 212).

Mas considero sempre possível pensar a história do Ocidente (ou da Europa) a partir da era cristã na duração mais longa (a ‘longa Idade Média’), sem cair nos clichês e nas fantasias de uma história feita de saltos, de estagnações e de declínios, ou ainda menos nos de uma história em migalhas. De modo que vejo a Idade Média se desfazer em uma multiplicidade de heranças (Idem, 213).

A leitura dessa obra, nesse sentido, permite que se compreenda como um historiador, Jacques Le Goff, fez suas escolhas, suas pesquisas e seus questionamentos sobre toda uma época, a da Idade Média, a Idade Média do autor. Evidentemente, pudesse questionar aqui que o autor procurou elaborar o relato, ou mais precisamente, o testemunho que deseja que fique para a posteridade; e, nesse caso, disputas pelo poder ficaram minimizadas, ou excluídas da discussão, críticas aos livros fossem deixadas de lado e a própria elaboração da obra ocupasse um itinerário quase que linear na sua trajetória (mas que autor não faria isso?). Pode-se ainda observar que o livro é mais a organização das memórias do autor, do que uma investigação histórica, na qual o uso das fontes é um ponto essencial. Alguns poderiam justificar que a escolha do autor se deve ao fato de que este estilo narrativo tem sido muito praticado, a exemplo dos textos de Pierre Bourdieu (1930-2002) Esboço de auto-análise (de 2004) e de Edward W. Said (1935-2003) Fora do lugar: memórias (de 1999) – e, aqui, vale destacar a exceção a essa regra, que foi a autobiografia de Eric Hobsbawm Tempos interessantes, publicada em 2002, na qual o uso de fontes sobrepôs o relato das memórias do autor. Por outro lado, se levarmos em conta o quanto Jacques Le Goff foi crítico quanto a questões como a de um progresso material contínuo, de um sentido e de uma linearidade na História e na pesquisa histórica, de sua preocupação com as relações tensas e difíceis entre História e Memória, às suas críticas as fontes e sobre as Filosofias da História, o autor não teria sido traído por seu discurso nesta sua brilhante aula (a partir de suas memórias) sobre a sua trajetória intelectual?

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Idade Média - As Relações Sociais, A Igreja e A Mulher - três visões

Relações Sociais

Na Idade Média prevaleciam as relações de vassalagem e suserania. O vassalo recebia do suserano um lote de terra e em troca devia ao senhor fidelidade e trabalho. Estas redes de vassalagem se estendia a todos e chegava ao rei – que era tido como um vassalo de Deus.

A sociedade era estática e hierarquizada tendo em seu topo o clero (membros da Igreja católica) e a Nobreza (senhores feudais, cavaleiros, condes, duques e viscondes). A nobreza era detentora das terras e arrecadava impostos dos camponeses.

Nesta época o cavaleiro é o detentor dos instrumentos necessários para vencer o combate, graças à superioridade do cavalo, da armadura e das armas. Ele chega esta condição através de um rito, a sagração momento no qual após ter atingido sua educação militar e através de uma cerimônia, ascendia a posição de defensor da paz. Na França este grupo rapidamente se tornou hereditário ao receber feudos em troca dos serviços prestados, ocorrendo ali uma fusão entre cavalaria e nobreza

Uma parte dos nobres, principalmente os não-primogênitos tornam-se cavaleiros sem fortuna girando ao redor de um grande senhor e prontos para aventurarem-se em guerras privadas, daí os estímulos externos das Cruzadas para controlá-los. Como não havia terras para todos, uma parte da nobreza passou a voltar-se para saques e guerras privadas.

Tentando solucionar este problema, a Igreja buscou estipular normas a serem adotadas pelos cavaleiros. Pela Paz de Deus (fins do século X), eles deveriam respeitar os camponeses, os clérigos, mercadores e os seus bens e pela Trégua de Deus (século XI) se absteriam de lutar entre a quinta à tarde e a segunda-feira pela manhã. A Igreja tentou também transformar o cavaleiro num miliciano de Deus, um defensor dos pobres, viúvas e do clero

O cavaleiro que fosse para a Cruzada recebia da Igreja o perdão por seus pecados. Para São Bernardo, o modelo de perfeição era o monge-cavaleiro e por isto ele deu grande apoio ao surgimento das Ordens Militares, como a dos Templários.

Igreja Católica

A influência da Igreja na Europa Medieval

Durante a maior parte da Idade Média, a Igreja permaneceu como a instituição mais organizada e estável da Europa. Os Estados “bárbaros” constituíam-se e desapareceram sucessivamente, em virtude de guerras internas e invasões. A Igreja, ao contrário, centralizou sua administração em Roma, enquanto fazia crescer seu patrimônio e seu poder econômico por meio de doações, esmolas e isenção de impostos. No século XI foi implantado o celibato obrigatório (proibição do casamento) a todo o clero, o que impedia o surgimento de herdeiros que reivindicassem bens da Igreja. Como as leis da época não garantiam a filhos ilegítimos nenhum direito à herança, o patrimônio eclesiástico se mantinha fora do alcance dos que nascessem da quebra da castidade clerical.

Não deve causar surpresa, portanto, o fato de a Igreja ter se tornado o maior proprietário rural da Europa medieval. E, se lembrarmos a importância da propriedade da terra no mundo feudal, não é difícil presumir a influência que isso proporcionava à instituição.

A Igreja e a Usura

O historiador francês Jacques Le Goff consultou um manuscrito do século XIII, na biblioteca nacional de Paris, que expõe com clareza como os clérigos opunham-se à usura, isto é, ao empréstimo a juros:

“Os usurários pecam contra a natureza querendo fazer dinheiro gerar dinheiro, como cavalo com cavalo ou mulo com mulo. Além disso, os usurários são ladrões (latrones), pois vendem o tempo, que não lhes pertence, e vender um bem alheio, contra a vontade do possuidor, é um roubo. Ademais, como nada vendem a não ser a espera do dinheiro, isto é, o tempo, vendem os dias e as noites. Mas o dia é o tempo da claridade e a noite o tempo do repouso. Portanto, não é justo que tenham a luz e o repouso eternos”. (Citado em Jacques Le Goff, A bolsa e a vida: a usura na Idade Média, p. 40-1).

A Importância da Confissão

De coletiva e pública, excepcional e reservada aos pecados mais graves, a confissão se torna aurilar, da boca para o ouvido, individual e particular, universal e relativamente freqüente. O IV Concilio de Latrão (1215) marca uma grande data. Torna obrigatória a todos os cristãos – isto é, homens e mulheres – a confissão, ao menos uma vez por ano, durante a Páscoa. O penitente é obrigado a explicar seu pecado em função de sua situação familiar, social, profissional, das circunstancias e de sua motivação. [...] O penitente deve se interrogar sobre a própria conduta e suas intenções, entregar-se a um exame de consciência. [...] É o começo da modernidade psicológica. O confessor deverá fazer perguntas convenientes que o levem a conhecer seu penitente, a separar, de seu lote de pecados, os graves, mortais sem contrição nem penitencia, e os mais leves, os veniais que podem ser redimidos. Os pecadores que morrem em estado de pecado mortal irão para o lugar tradicional da morte, do castigo eterno, o Inferno. Os que morrerem carregados apenas com pecados veniais passarão um tempo mais ou menos longo de expiação num lugar novo, o Purgatório, que irão deixar depois de purificados, purgados, em troca de vida eterna, o Paraíso, o mais tardar no momento do Juízo Final. (Jacques Le Goff, A bolsa e a vida: a usura na Idade Média, p. 11-2).

A influência da Igreja na Europa Medieval

Durante a maior parte da Idade Média, a Igreja permaneceu como a instituição mais organizada e estável da Europa. Os Estados “bárbaros” constituíam-se e desapareceram sucessivamente, em virtude de guerras internas e invasões. A Igreja, ao contrário, centralizou sua administração em Roma, enquanto fazia crescer seu patrimônio e seu poder econômico por meio de doações, esmolas e isenção de impostos. No século XI foi implantado o celibato obrigatório (proibição do casamento) a todo o clero, o que impedia o surgimento de herdeiros que reivindicassem bens da Igreja. Como as leis da época não garantiam a filhos ilegítimos nenhum direito à herança, o patrimônio eclesiástico se mantinha fora do alcançados que nascessem da quebra da castidade clerical.

Não deve causar surpresa, portanto, o fato de a Igreja ter se tornado o maior proprietário rural da Europa medieval. E, se lembrarmos a importância da propriedade da terra no mundo feudal, não é difícil presumir a influência que isso proporcionava à instituição.

A Igreja sempre se empenhou na evangelização – constante divulgação de sua doutrina -, buscando sobre tudo novas conversões entre os povos pagãos (aqueles que não foram batizados).

Graças a sua influência, a Igreja chegou a ditar até regras para a economia, como a proibição da usura e da especulação. Ela impôs também o “justo preço”: todo produto deveria ser vendido a um preço que cobrisse apenas seu custo e o trabalho do produtor; tal preço seria calculado pelo Estado e pelas associações de artesãos e mercadores.

No ensino, a Igreja se tornou responsável pelas escolas – onde estudavam os filhos da nobreza e os futuros clérigos. Os estudos, sempre dirigidos por padres ou monges, se dividiam em dois níveis: o elementar (alfabetização e aritmética básica) e o superior. Este era subdividido em duas áreas: trivium (gramática, lógica e retórica) e quadrivium (música, geometria, astronomia e aritmética).

A partir do século XIII, a Igreja organizou as universidades, que, embora sujeitas a papas e reis, ganharam autonomia, e ainda na Idade Média passaram a admitir cada vez mais leigos entre seus professores. As universidades de Sorbonne (Paris), Bolonha, Salamanca, Oxford, Cambridge, Salerno, Roma, Montpellier, entre outras, surgiram durante o período medieval.

Vários aspectos da vida social na Idade Média foram igualmente regulados pela Igreja: casamentos, divórcios (por incesto, bigamia, adultério, etc.), divisão de heranças, definição das obrigações dos casais, registros paroquiais de nascimento (com o batismo), matrimônios, falecimentos, entre outros. Pertenciam à Igreja – que possuía recursos financeiros para isso – vários orfanatos, hospitais, asilos para loucos e leprosos.

No que se refere à política, a Igreja passou a legitimar o poder de reis e imperadores – o que era simbolizado na coroação e na unção deles pelo papa -, criando até mesmo teorias para explicá-lo. Entre essas a mais difundida foi a dos “dois gládios” (gládio quer dizer espada), desenvolvida sobretudo no pontificado de Gregório VII (1073-1085). Segundo ela, o poder dos reis (gládio temporal) governava os corpos, enquanto o poder do papa (gládio espiritual) governava as almas. Ora, pela doutrina cristã, a alma era mais importante do que o corpo, logo o poder da Igreja era superior aos soberanos. Estes estavam sujeitos ao julgamento do sumo pontífice, exatamente por serem inferiores a ele.

Não é fácil imaginar o que a excomunhão – ou seja, a expulsão da Igreja, decretada apenas pelo papa, poderia significar na sociedade medieval, onde ser cristão representava o único meio de garantir algum direito. Frequentemente os papas usaram a excomunhão como arma política contra reis e imperadores, com o fim de submetê-los e desacreditá-los diante de seus súditos. Afinal, nenhum vassalo tinha a obrigação de obedecer a um soberano excomungado.

As Mulheres da Idade média

É difícil sustentar a hipótese de uma marginalização generalizada da mulher na Idade Média. O casamento, tornando-se responsável pela reprodução biológica da família, garantia-lhe papel de relevo na estabilidade da ordem social. Esta integração tinha, contudo, os seus limites. Juridicamente despersonalizada, esteve reduzida ao meio familiar e domestico. Reproduzia biologicamente os homens que iriam continuar a dirigir a sociedade.

As mulheres desempenharam funções importantes na sociedade medieval. As camponesas auxiliam suas famílias nas tarefas agrícolas cotidianas, enquanto as pertencentes às famílias nobres se encarregavam da tecelagem e da organização da casa, orientando o trabalho das servas. Muitas eram artesãs: nos grandes feudos da Alta Idade Média existiam oficinas de produtos como pentes, cosméticos, sabão e vestuário com mão-de-obra inteiramente feminina. Mas todas elas, desde as servas até as mulheres da alta nobreza, estavam submetidas a seus pais e maridos. E a Igreja justificava e favorecia tal dominação, mostrando-se totalmente hostil ao sexo feminino. Alguns teólogos chegavam a afirmar que a mulher era a maior prova da existência do diabo.