sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

GOLPE DE 1964 - A REVOLTA DOS SARGENTOS

Rebelião promovida por cabos, sargentos e suboficiais, sobretudo da Aeronáutica e da Marinha, em 12 de setembro de 1963, em Brasília, motivada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reafirmar a inelegibilidade dos sargentos para os órgãos do Poder Legislativo, conforme previa a Constituição de 1946.
A Carta de 1946 proibia, embora de forma pouco explícita, que os chamados graduados das forças armadas (sargentos, suboficiais e cabos) exercessem mandato parlamentar em nível municipal, estadual ou federal. Nesse sentido, o direito à elegibilidade foi o móvel principal das campanhas da categoria. Durante o mandato de João Goulart (1961-1964), o movimento dos sargentos foi fortalecido devido à sua participação durante agosto e setembro de 1961 na campanha da legalidade, que garantira a posse de Goulart. Além disso, o movimento apoiava as reformas de base (agrária, urbana, educacional, constitucional etc.) preconizadas pelo governo.
Em 1962, os sargentos do então estado da Guanabara, São Paulo e Rio Grande do Sul indicaram candidatos próprios para concorrer à Câmara Federal, às Assembleias Legislativas e às Câmaras de Vereadores no pleito de outubro. Se na Guanabara, o sargento do Exército Antônio Garcia Filho elegeu-se deputado federal e, apesar do impedimento constitucional, tomou posse em 1º de fevereiro de 1963, no Rio Grande do Sul e em São Paulo, os candidatos eleitos – respectivamente Aimoré Zoch Cavalheiro e Edgar Nogueira Borges, ambos sargentos do Exército - foram impedidos de assumir seus mandatos de deputado estadual e vereador.
A questão da elegibilidade mobilizou a classe em 1963. No dia 12 de maio, cerca de mil graduados reuniram-se no Rio de Janeiro para discutir a situação. Durante a reunião, o subtenente Gelci Rodrigues Correia declarou que a categoria não podia se comprometer a defender a ordem reinante no país, pois ela "beneficia uns poucos privilegiados" e referiu-se à possibilidade dos graduados "lançarem mão de seus instrumentos de trabalho... para exigir as reformas de base do governo federal". Em 23 de maio, o ministro da Guerra Amauri Kruel puniu Gelci com 30 dias de prisão.
No dia 11 de setembro, o STF confirmou a sentença do TRE gaúcho acerca do impedimento da posse do sargento Aimoré, o que implicava que os sargentos, suboficiais e cabos eram declarados definitivamente inelegíveis. Na madrugada do dia 12, cerca de seiscentos graduados da Aeronáutica e da Marinha se apoderaram dos prédios do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), da Estação Central da Rádio Patrulha, do Ministério da Marinha, da Rádio Nacional e do Departamento de Telefones Urbanos e Interurbanos. As comunicações de Brasília com o resto do país foram cortadas. Vários oficiais foram presos e levados para a base aérea de Brasília, foco da sublevação, onde também ficou detido o ministro do STF Vítor Nunes Leal. O presidente em exercício da Câmara dos Deputados, deputado Clóvis Mota, foi recolhido ao DFSP. Os rebeldes, chefiados pelo sargento da Aeronáutica Antônio de Prestes Paula, receberam o apoio de deputados da Frente Parlamentar Nacionalista, que compareceram à base aérea.
Cerca de 12 horas depois de sua eclosão, o levante foi sufocado por tropas do Exército. No dia 13, Prestes de Paula foi preso pela Polícia do Exército. Os prisioneiros, num total de 536, foram mandados para o Rio de Janeiro, sendo alojados num barco-presídio ancorado na baía de Guanabara. Outros líderes do movimento foram detidos no Rio, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Em 19 de março de 1964, os 19 sargentos indiciados em inquérito policial-militar (IPM) foram condenados a quatro anos de prisão.



quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

JOÃO GOULART E O DISCURSO DA CENTRAL DO BRASIL

Comício das Reformas
Concentração realizada no Rio de Janeiro no dia 13 de março de 1964, em frente à estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, o Comício das Reformas, também conhecido por Comício da Central, reuniu cerca de 150 mil pessoas, incluindo membros de entidades sindicais e outras organizações de trabalhadores, servidores públicos civis e militares, estudantes etc. Tinha por meta demonstrar a decisão do governo federal de implementar as chamadas reformas de base e defender as liberdades democráticas e sindicais.
A orientação nacionalista-reformista adotada pelo presidente João Goulart havia desencadeado a oposição dos setores dominantes do país e de largos segmentos das classes médias e da oficialidade. Nos primeiros meses de 1964, ele procurou mobilizar as massas para a implementação, ainda naquele ano, das chamadas reformas de base - agrária, bancária, administrativa, universitária e eleitoral -, bloqueadas pelo Congresso, e para a extensão do direito de voto aos analfabetos, soldados, marinheiros e cabos, assim como a elegibilidade para todos os eleitores. Com esse intuito, convocou um comício para o dia 13 de março, a ser organizado por uma comissão de líderes sindicais.
Às 15 horas do dia 13 de março, uma sexta-feira, começaram a chegar à Central do Brasil militantes sindicais, estudantes e delegações de mulheres. Quinze oradores precederam o presidente da República. O mais aplaudido foi Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e deputado federal pelo PTB carioca, que exortou o presidente a "abandonar a política de conciliação" e instalar "uma Assembleia Constituinte com vistas à criação de um Congresso popular, composto de camponeses, operários, sargentos, oficiais nacionalistas e homens autenticamente populares".
Goulart iniciou seu discurso às 20 horas {link para a íntegra do discurso}, tendo falado por mais de uma hora. Inicialmente atacou os chamados "democratas", cuja "democracia do anti-povo, da antirreforma e do anti-sindicato" seria a "a democracia dos monopólios nacionais e internacionais". Mais adiante, mencionou a necessidade da revisão da Constituição de 1946, "porque legaliza uma estrutura socioeconômica já superada" e da ampliação da democracia, "colocando fim aos privilégios de uma minoria". Referindo-se ao decreto da Superintendência da Reforma Agrária (Supra), que havia assinado no palácio das Laranjeiras, frisou que o texto ainda não era a reforma agrária, pois "reforma agrária feita com pagamento prévio do latifúndio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária", mas sim "negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário".
Com relação à Petrobrás, afirmou que assinara pouco antes o decreto de encampação de todas as refinarias particulares, que passavam a pertencer ao patrimônio nacional. Informou também que iria enviar ao Congresso mensagem tratando da reforma eleitoral, baseada no princípio de que "todo alistável deve ser também elegível", e da reforma universitária "reclamada pelos estudantes". Denunciou por fim a existência de "forças poderosas (...) que ainda permaneciam insensíveis à realidade nacional" e que poderiam vir a ser responsáveis pelo derramamento de sangue, "ao pretenderem levantar obstáculos à (...) emancipação". No dia seguinte, Jango assinou o decreto tabelando o preço de aluguéis e imóveis em todo o território nacional e desapropriando imóveis desocupados por utilidade social.
As repercussões do comício foram imediatas e sentidas em todo o país. Manifestações antigovernamentais ocorreram em São Paulo e Belo Horizonte, enquanto a União Democrática Nacional (UDN) e parte do Partido Social Democrático (PSD) e outros partidos reclamavam o impedimento de Goulart. Carlos Lacerda, governador da Guanabara, considerou o comício "um ataque à Constituição e à honra do povo" e o discurso do presidente "subversivo e provocativo". Entidades financiadas pelo empresariado articulavam a realização das chamadas Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade, a fim de levantar as classes médias contra o perigo comunista.