quarta-feira, 23 de agosto de 2006

CAPITALISMO, INDUSTRIALIZAÇÃO E SUBDESENVOLVIMENTO NO BRASIL


Resumo

Este artigo visa à compreensão da formação do Estado Nacional brasileiro, a partir dos seus processos de industrialização e implementação do capitalismo estrangeiro. Busca compreender de que forma as ideologias da Cepal e as teorias advindas do ISEB contribuíram para a formação da mentalidade econômica do nosso país e ainda verifica como as raízes capitalistas penetraram a economia nacional e causaram o subdesenvolvimento desde os tempos do Brasil - Colônia.

Palavras-Chaves: Capitalismo, Estado Nacional, economia, governantes brasileiros, história.

Introdução

Os anos que sucederam o término da Segunda Guerra Mundial foram de reconstrução. A Europa, que saiu arrasada do pós-45, beneficiada pela ajuda internacional norte-americana, além da cooperação mútua entre os países do continente, em poucos anos estava reerguida. Na década de 50, os países europeus estavam com suas indústrias funcionando a todo vapor. Os Estados Unidos, mesmo envolvidos no conflito, saíram como vencedores, liderando uma economia forte e uma indústria capaz de abastecer a si e a Europa. Enfim, grande potência mundial.

Assim, tanto os Estados Unidos quanto países europeus, apareciam no cenário mundial como nações ricas e desenvolvidas, mas olhando para a América Latina o que se vê são países pobres, classificados como subdesenvolvidos. Era preciso, então, saber os motivos que fizeram com que esses países não se desenvolvessem, para que lhes fossem prestados auxílio.

1. Os “bons vizinhos” criam uma comissão de auxílio para a América Latina.

Em 1951, a Organização das Nações Unidas (ONU), criou a Comissão Econômica para a América Latina. O objetivo principal da Cepal era explicar o atraso da América Latina em relação aos centros desenvolvidos do capitalismo ocidental; e buscar fórmulas capazes de superar o subdesenvolvimento. Nesse sentido, a análise buscou, de um lado, identificar as peculiaridades do tipo de sistema socioeconômico dos países da periferia.

Uma das primeiras análises feitas pela Cepal, consiste em mostrar as diferenças entre os países desenvolvidos, por eles chamados de centro, e os países subdesenvolvidos chamados de periferia. A Cepal faz uma relação entre centro/periferia, percebendo desde o princípio o processo de difusão do progresso técnico na economia mundial e explicar a distribuição de seus ganhos, demonstrando a divisão internacional do trabalho, provocou efeitos diferenciados nas economias das regiões.

Os argumentos ideológicos da Cepal eram inteiramente pro - intervencionistas. Segundo os cepalinos, durante o século XIX, a América Latina passou a utilizar os princípios liberais, mas não conseguiu avançar, ficando a mercê da estagnação e da pobreza.

Um dos motivos dessa estagnação é que a política econômica adotada por esses países, exportava produtos primários e importava produtos manufaturados. Essa (injusta) relação de troca causa uma extrema situação de dependência. Prado Júnior (2004, p. 270) observa que:

Dessa forma, era preciso então, socorrer-se do Estado para estimular um surto industrial bem como proteger seus manufaturados da competição externa. A Cepal defendia também uma substituição dos produtos de exportação, uma política que visasse a vinda de empresas estrangeiras com modernas tecnologias produtivas para serem implantadas nos países latino-americanos, onde elas produziriam nos países latino-americanos aquilo que antes era preciso importar.

Percebemos que os ideólogos da Cepal tinham em mente um modelo econômico duplo, pois acreditavam promover um amplo setor econômico modernizado convivendo simultaneamente com o setor agrícola tradicional. Para eles, quem deveria determinar onde seriam feitos os principais investimentos deveria ser o Estado e não o mercado. Advogavam ainda, o estímulo ao mercado interno e uma política de reforma agrária para promover sua ampliação.

Os cepalinos, identificados no Brasil como estruturalista, eram os representantes ideológicos do que se chamava na época de “burguesia nacional”.

2. A Cepal procura entender o atraso das nações latino-americanas.

Sem nenhuma exceção, todos os países da América Latina foram colônias de países europeus. Dominação que causou pobreza para a periferia e riqueza para os centros metropolitanos. Os países que compõem a América Latina estão historicamente marcados pela exploração e pela dependência, seja política ou econômica.

Com a chegada dos europeus, a América Latina em sua totalidade foi explorada. Portugal e Espanha fizeram acordos, assinaram tratados, enfim, fizeram a partilha. Foram mais de três séculos de dominação. Depois, quando lutaram pela independência e acreditavam que estavam livres, apareceu a Inglaterra que impôs supremacia econômica, deixando esses países numa situação de dependência econômica. Mais tarde, os Estados Unidos se firmaram como grande nação e disseram: a “América para os Americanos”. Na verdade eles estavam dizendo para os países europeus: “Deixem que a América, nós que a exploramos”.

O que se percebe, é que há uma diferença muito grande no que concerne a formação industrial dos países desenvolvidos em relação aos países subdesenvolvidos. No entanto, os países subdesenvolvidos têm um ponto em comum: todos foram explorados por ricas nações.

No processo de compreensão do atraso presente entre os países periféricos, Toledo (1997, p. 85) explica que:

Mas, a Cepal contestou tal hipótese por meio de comprovações de ordem empírica: seus estudos revelam que os países atrasados sofreram permanentes desvantagens ao se especializarem com meros fornecedores de matérias primas e produtos primários ao mercado internacional. Em contrariedade ao que as teorias clássicas do liberalismo afirmam, os centros industriais não estariam transferindo seus aumentos de produtividade à periferia atrasada. Na verdade, estariam se apropriando dos modernos incrementos de produtividade realizados em países de periferia.

O diagnóstico cepalino implica em uma tomada de posição política e ideológica: seria preciso romper com as visões liberais predominantes, defensoras da “vocação natural” (agrária) das economias periféricas, postulando assim, uma via privilegiada para a superação do subdesenvolvimento crônico: a rápida industrialização dos países da periferia. É certo o reconhecimento dos cepalinos, no período de 1914 a 1945, de que os países da periferia passaram a ter um relativo crescimento “para dentro” – e não apenas “para fora”. Entretanto, tal crescimento, ainda precário, seria insuficiente se condicionado às livres forças de trabalho.

3. O Instituto Superior de Estudos Brasileiros.

Segundo Sodré (1978, p. 12), o Instituto Superior de Estudos Brasileiros inicia-se quando “um grupo de intelectuais, que englobava alguns assessores do Governo Vargas, decidira conjugar esforços para organizar um instituto que se especializaria no estudo, na pesquisa e no planejamento de tudo o que se relacionasse com a realidade brasileira”.

Assim, no início da década de 1950, o denominado Grupo de Itatiaia, liderado por Hélio Jaguaribe, articula uma instituição denominada Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (Ibesp), que edita cinco números da revista Cadernos de Nosso Tempo, entre 1953 e 1956. Dessa forma, aglutina-se o que viria a ser o núcleo de intelectuais fundadores do ISEB.

Como tal, o ISEB é constituído em julho de 1955, ainda no governo de Café Filho – baseado no modelo jurídico da Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1949 – por solicitação do Ministro da Educação Candido Mota que foi convencido pelo grupo de intelectuais ibespianos.

Vinculado e financiado pelo Ministério da Educação, não obstante, o ISEB possui plena liberdade de cátedra. Através de cursos em sua sede e no MEC e de publicações diversas, o ISEB difundia sua elaboração nacionalista e formava quadros para o Estado e para a sociedade brasileira.

Sendo um órgão multidisciplinar por excelência, tinha como diretor, o filósofo Roland Corbisier, e estruturava-se em cinco Departamentos: o de Filosofia, chefiado por Álvaro Vieira Pinto; o de História, por Candido Mendes – com coordenação docente no curso de História Brasileira, do pensador marxista Nelson Werneck Sodré, então recém-egresso do Exército –; o de Sociologia, por Alberto Guerreiro Ramos; o de Ciência Política, por Hélio Jaguaribe – tido como o líder principal do grupo que originou o Instituto –; e o de Economia, com Evaldo Correa Lima – cujo mais destacado colaborador foi Ignácio Rangel.

Já na sua origem, esse núcleo de intelectuais vincula-se à candidatura de Juscelino Kubitschek, prestando-lhe assessoria. Com a vitória de Juscelino e sua posse em 1956, o ISEB passa então a viver o auge de sua experiência, na qual parte importante de sua plataforma desenvolvimentista se materializa através do Plano de Metas – ainda que a sinergia entre o Plano de Metas e o desenvolvimentismo isebiano só pôde ser concluída contemporaneamente, numa visão de processo, com os olhos de hoje.

É, pois, a fase áurea do ISEB, na qual logra reunir em suas fileiras, numa frente-única, expressiva parcela da intelectualidade progressista brasileira, sob propósitos semelhantes e certa identidade no pensamento. “O que alguns estudiosos da experiência isebiana chamam equivocadamente como “posições ideológicas ecléticas e, conflitantes”, ou ainda, autênticos arco-íris ideológico” (Toledo: 1997), é mais corretamente qualificado como a expressão de uma ampla aliança, favorecida então por um entorno político favorável entre marxistas e outros nacionalistas e democratas. Dessa fase e de sua amplitude e unidade, reside o prestígio do ISEB na sociedade brasileira nos anos seguintes. Nessa primeira fase, como demonstração dessa ampla frente da intelectualidade progressista que se tornara, figuram em seu Conselho, nomes do porte de Anísio Teixeira, Gilberto Freyre, Heitor Villa-Lobos e San Thiago Dantas.

Mas, dado os limites e veleidades características de uma instituição com características de frente-única, a partir de 1958 eclode a crise que resultaria em defecções no ISEB, que então passa a vincular-se mais estritamente à política do PCB. O pretexto para a crise, se dá a partir da publicação do livro de Hélio Jaguaribe, O nacionalismo na atualidade brasileira (1958), no qual o autor reconhece “um papel positivo para os investimentos estrangeiros diretos” (Bresser Pereira: 2004).

Num período em que o ISEB se encontrava sob forte ofensiva da reação conservadora, o debate é o rastilho de pólvora para Guerreiro Ramos entrincheirar-se na “denúncia do livro, tido como herético” por defender o ingresso de capital estrangeiro no país, pelo que o sociólogo defendeu nada menos que a expulsão de Helio Jaguaribe da instituição.

Essa crise provocou uma “cisão ideológica de todo inoportuna, inadequada, sectária” (Sodré: 1978). Com a cisão e com a exclusão de importantes setores de centro no espectro político – que conferiam o caráter de frente-ampla ao instituto –, “daí por diante ‘purificado’ politicamente, o ISEB debilitou e foi isolado (...) A crise do ISEB foi, pois, grande serviço prestado a reação e particularmente ao imperialismo” (Sodré: 1978). Esse testemunho de Werneck Sodré é chave, pois na nova fase, até a extinção do ISEB em 1964, ele, junto com Corbesier e Vieira Pinto foram as principais referências da instituição.

Assim transcorre a segunda fase da experiência ISEB (1959-1964), durante a qual, acompanhando o clima de intensa radicalização do país, o Instituto passa a engajar-se ativamente na luta política e social da época, com ênfase na presença militante no movimento pelas Reformas de Bases do governo João Goulart.

Dias após o golpe de 31 de março de 1964, o ISEB junto com a UNE estão na primeira lista de entidades liquidadas pelo regime, sendo a sede de ambas, e todo o seu acervo, destruídas ainda em abril daquele ano.

De acordo com Toledo (1991, p. 92):

Percebe-se, no entanto, que tanto os intelectuais da Cepal como os do Iseb buscaram a independência econômica dos países da América Latina. A industrialização endógena para ambos, era a única forma de reduzir a pobreza e tirar os países da dependência econômica do capital estrangeiro, ao passo que a exógena somente iria aumentar esse problema social.

Acreditavam ainda, que fosse por meio da industrialização interna que se construiriam as bases econômicas internas e assim ia se liquidando com a pobreza, com a exploração da mão-de-obra e a alienação do trabalhador latino americano, pois saquear a América latina foi o maior projeto do colonizador.

4. Desenvolvimento do Brasil nas décadas de 1950 e 1960

4.1. O Governo de Eurico Gaspar Dutra

O governo Dutra (1946-1951) foi marcado pela instabilidade social e altas taxas de crescimento econômico. Além da repressão aos comunistas, ocorreram intervenções em sindicatos e prisões de lideranças operárias. As greves e manifestações dos trabalhadores eram provocadas pelas perdas salariais decorrentes da inflação do período pós-guerra. Em lugar de elevar os salários, Dutra promoveu uma liberalização da economia permitindo a ampla entrada de produtos norte-americanos no mercado brasileiro. Através da livre-concorrência, os economistas do governo acreditavam que ocorreria uma redução geral dos preços praticados.

O alto índice de importações provocou uma enorme evasão de recursos acumulados na Segunda Guerra Mundial, obrigando o governo a rever sua política econômica liberal. Em 1947, foi estabelecido um sistema de controle de importações e valorização da moeda nacional, com o objetivo de estimular a produção para o mercado interno. No mesmo ano era anunciada a elaboração do Plano SALTE, que previa a implantação de recursos nas áreas de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia. O plano, por falta de investimentos foi um grande fracasso.

4.2. Mais um mandato de Getúlio Vargas

Getúlio Vargas, que já havia sido presidente do Brasil três vezes, assume novamente o poder em janeiro de 1951. No início do mandato, procurou estabilizar a economia, detendo a inflação e equilibrando as finanças públicas, e permitiu o aumento das importações como tentativa de diminuir as taxas inflacionárias que registravam altos índices.

A adoção da receita liberal, que previa a diminuição da intervenção do Estado na economia, o corte de gastos públicos e a maior participação do capital estrangeiro no mercado nacional, foram, no entanto, passageira. Além da inflação, o país esteve às voltas com um gigantesco déficit, provocando o esgotamento das suas reservas financeiras e atrasos na quitação de suas dívidas.

Getúlio Vargas percebia que o país só cresceria quando possuísse industrialização, pois só assim, superaria os obstáculos no balanço de pagamentos tão tumultuados visto no governo de Dutra. Skidmore (2000, p. 189) afirma que:

Assim, a política nacionalista, apesar de apontar para a independência e a soberania nacionais, via-se limitada pela conjuntura internacional. Ao contrário dos tempos da Segunda Guerra, não havia grandes margens de manobras nas negociações com os Estados Unidos, e um rompimento com a principal potência capitalista seria complicado. Por outro lado, para financiar o desenvolvimento do país era necessário atrair capitais estrangeiros.

Mesmo assim, o governo manteve o crédito a setores empresariais e passou a investir fortemente em infra-estrutura e energia, visando acelerar a industrialização do país.

A política do governo, se de um lado inspirou acertadamente a necessidade de se promover o processo de industrialização do país, fracassou na realização dos seus objetivos declarados, pois levou o país a grave situação de altíssimos índices inflacionários. Afirma Prado Júnior (2004, p. 309) que:

Em 1953, Getúlio Vargas criou a Petrobrás, empresa que deteria o monopólio do refino e da exploração de petróleo, fundamental, no entender dos nacionalistas, para a soberania do Brasil. Importante lembrar que esses gastos públicos, somados ao aumento da circulação monetária do país, mantiveram elevados índices inflacionários.

Em 1954 instaurou-se em nosso país uma grande crise econômica e política, que Vargas não conseguia conter. Em agosto desse ano, Getúlio suicidou-se com um tiro no peito e como ele mesmo disse, deixou a vida para entrar na história.

4.3. “Cinqüenta anos em cinco”: Governo de Juscelino Kubitschek.

Juscelino Kubitschek foi eleito em 1956, seu primeiro passo foi traçar o Programa de Metas. Programa que incluía um conjunto de metas para aumentar a produção em todos os setores do país. O objetivo era unir o Estado e o setor privado numa estratégia de alto crescimento, com a finalidade de acelerar a industrialização e a construção da infra-estrutura necessária para sustentá-la.

Em termos ideológicos, a estratégia econômica de Juscelino era centrista, e incluía intenso investimento público como também muitos incentivos para investimento privado. Na esfera pública, o Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico deveria canalizar fundos para grandes projetos de infra-estrutura. Na esfera privada, por exemplo, uma comissão governamental solicitou ofertas para a criação de uma indústria automobilística nacional sob termos cambiais externos favoráveis. Juscelino e seus assessores tinham esperanças de contornar as amargas divisões ideológicas que haviam ajudado a arruinar o governo Getúlio Vargas, por meio de estratégia política de proporcionar benefício a todos.

O presidente Juscelino Kubitschek conseguiu alcançar seu objetivo básico de rápido desenvolvimento econômico e industrialização. Quando deixou a presidência, no início da década de 60, o Brasil tinha uma indústria de veículos motorizados e estava a caminho de criar muitas indústrias subsidiárias vitais à produção de veículos. Houve ainda nesse período, impressionantes avanços no setor de eletricidade e na construção de estradas.

Os cepalinos criticavam o “imperialismo” comercial e financeiro dos centros metropolitanos, mas mesmo assim, Juscelino soube muito bem aproveitar as oportunidades das negociações com o capital internacional.

Assim, a determinação de Juscelino em seguir seu programa econômico assegurou uma crise contínua do balanço de pagamentos. Os ganhos de exportação do Brasil, que ainda vinham basicamente de uns poucos produtos primários, permaneciam estagnados, enquanto suas importações, que incluíam bens de capital e aplicações essenciais à indústria, haviam crescido. O Brasil só poderia sustentar um déficit na conta comercial se obtivesse financiamento externo para cobrir a diferença, ou por meio de investimento estrangeiro ou de empréstimos e subsídios.

A busca de crescimento rápido sem financiamento adequado inflamou a inflação do país. Ao invés de desacelerar o programa, reduzindo o déficit do governo, a equipe de Juscelino tolerava o aumento dos preços. A inflação e o déficit nos pagamentos andavam juntos em 1958, forçando o Brasil a negociar um acordo de estabilização com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Skidmore (2000, p. 207-08) afirma que:

Um ponto importante que podemos destacar, é que estamos aqui diante de uma das formas de exploração americana nos países da América Latina. Uma exploração que se dá através de financiamentos e empréstimos. É nesse contexto que aparecem o FMI, Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Através dessas instituições, genuinamente americanas, os países subdesenvolvidos contraem empréstimos, acreditando no desenvolvimento, mas com o passar do tempo percebem que na verdade, só é mais uma forma de dependência. Assim, os países que contraíram os empréstimos ficam endividados, aumentando ainda mais a sua dívida externa. Diante de tudo isso, Juscelino assumiu um risco: rompeu com o FMI e continuou seu programa a qualquer custo.

Na verdade, o Brasil passou por um período de intensa agitação econômica, com um forte crescimento econômico, mas, paradoxalmente, uma população vivendo com disparates sociais, onde os ricos ampliavam cada vez mais seus rendimentos e os pobres possuíam cada vez menos da parcela das riquezas nacionais.

É inegável que a política de Juscelino deu grande impulso ao desenvolvimento econômico do país. Mas, ao mesmo tempo, seu governo foi responsável pelo agravamento de antigos problemas, como as desigualdades sociais, as diferenças regionais e a defasagem entre setores arcaicos e modernos da economia. Nesse período, a dívida externa cresceu e o controle de setores fundamentais da economia pelo capital estrangeiro também aumentou.

4.4. João Goulart e as Reformas de Base.

Com a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart assumiu a presidência, pretendendo resolver os problemas urgentes da sociedade brasileira. Uma das iniciativas foi conseguir no Congresso a votação para as Reformas de Base – agrária, bancária, urbana e educacional.

A conspiração de direita se organizava. Setores militares, políticos da UDN, governadores de Estado e empresários promoveram uma grande campanha divulgando que o presidente era comunista. Assustada, uma parte da classe média passou a apoiar os golpistas.

Diante das pressões contrárias e da crescente radicalização, Jango chamou as massas para uma grande manifestação em seu favor – um comício pelas reformas de base – na praça em frente à Estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro.

A direita também partiu para a mobilização de rua, como forma de legitimar o golpe de Estado. No dia 19 de março, dezenas de milhares de manifestantes saíram às ruas de São Paulo na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, exigindo o fim do governo Jango e dos comunistas.

Sob a liderança política dos governadores Carlos Lacerda, da Guanabara, Adhemar de Barros, de São Paulo e Magalhães Pinto, de Minas Gerais, a direita desencadeou o golpe de Estado para depor o presidente. Em 31 de março de 1964, tropas instaladas em Minas Gerais tomaram a direção do Rio de Janeiro, que ainda era um centro de poder importante, com apoio das principais unidades militares do país. No dia 2 de abril uma junta militar tomou o poder, e no dia 15 tomava posse da presidência o general Humberto de Alencar Castelo Branco. Iniciava-se, assim, a ditadura no Brasil.

5. A formação do Estado Nacional e o desenvolvimento capitalista no Brasil.

Existe um rico debate no campo do marxismo brasileiro sobre as particularidades da nossa formação econômica e social. Isto tem impacto direto sobre a compreensão que temos sobre a própria formação e particularidades do Estado no Brasil. Faremos uma descrição brevíssima e, portanto, limitada das três principais correntes.

O grande historiador e membro do PCB Nelson W. Sodré, grosso modo, define o modo de produção predominante no pré -1930 como semi-feudal - assentado no latifúndio e nas relações sociais pré-capitalistas. Para ele, a Revolução de 1930 foi o marco fundador da sociedade burguesa no Brasil, mas que não rompe definitivamente com os resquícios feudais - portanto, a revolução democrática burguesa (anti-latifundiária, antiimperialista) continuava na ordem do dia. O Estado só poderia ser um Estado com características semi-feudais (pré-burguesas) - Esta visão, sobre a sociedade brasileira, impregnou fortemente a construção da tática e da estratégia dos comunistas brasileiros até a década de 1970.

O historiador Caio Prado Jr., também membro do PCB, pelo contrário, definia o modo de produção no Brasil, desde as suas origens, como capitalista - pois a economia brasileira se inseria nos marcos da circulação capitalista de mercadorias e capitais. Portanto, o Estado brasileiro sempre foi um Estado capitalista. A conclusão lógica é que não teria lugar para se falar de uma revolução burguesa no Brasil. Isto levou a uma subestimação das tarefas democráticas, especialmente a reforma agrária anti-latifundiária.

O historiador Jacob Gorender, também ex-militante do PCB, afirmou que o modo de produção no Brasil, da colônia até 1888 foi escravista colonial (ou escravista moderno). Ao contrário de Caio Prado Jr. as relações de produção tem centralidade na análise de Gorender.

O sociólogo Décio Saes, seguindo as indicações de Jacob Gorender, afirmou que o Estado nacional brasileiro foi de 1822 até 1888, um Estado escravista moderno e se transformou em Estado burguês após a proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891. Para ele a revolução de 1930, embora não fundante foi um dos momentos fundamentais da consolidação do Estado burguês moderno no país. Esta posição, com algumas nuanças, foi defendida por José Carlos Ruy em vários artigos publicados na revista Princípios, sob o título de Visões do Brasil. Para Ruy a nossa revolução burguesa foi uma revolução incompleta.

Toda esta longa introdução, ainda limitada e insuficiente, é para justificar a opção por uma das explicações sobre a gênese e as particularidades do Estado capitalista no Brasil: aquela que afirma que o Estado brasileiro antes de 1889 não poderia ser considerado, estrito senso, como um Estado capitalista.

O Estado brasileiro era fundamentalmente um Estado pré-capitalista - um Estado escravista moderno - que em grande parte obstaculizava o desenvolvimento do modo de produção capitalista no Brasil e era em relação a ele disfuncional.

Até hoje se vive essa grande contradição econômica, uma economia dual, agrária e industrial. Encontramos no Brasil o maior Centro Industrial da América Latina, encontramos também um grande número de profissionais estrangeiros no local, pois o planejamento do governo foi industrializar o Brasil, mas não se preocupou em qualificar o povo brasileiro para exercer tais funções. O governo brasileiro na época, queria sim se igualar com as grandes potências, mas do que adianta montar um parque Industrial e as indústrias serem todas estrangeiras? O Brasil ainda continua na condição de colônia e grande fornecedor de matéria prima para a grande metrópole estadunidense.

Considerações Finais

Conclui-se que a partir da década de 50, os países da América Latina e, em especial o Brasil, precisaram de comissões e institutos que idealizassem e provocassem o desenvolvimento econômico através de uma industrialização, na maioria dos casos, tardia. Percebeu-se também que o Estado capitalista moderno só pode se implantar após a abolição da escravidão e a proclamação da República.

A revolução de 1930, por outro lado, foi um dos marcos fundamentais na consolidação deste Estado e para a construção das bases fundamentais de um capitalismo verdadeiramente nacional. Os anos de 1888/1889 e de 1930 são decisivos para compreendermos o processo de constituição do Estado capitalista no Brasil e suas limitações.

Referências Bibliográficas

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 33{ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004.

MARANHÃO, Ricardo. Trabalho e Civilização. Uma história global. São Paulo: Moderna, 1999.

PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.

SKIDMORE, Thomas E.. Uma história do Brasil. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

TEIXEIRA, Francisco M. P. e TOTINI, Maria Elizabeth. História Econômica e Administrativa do Brasil. São Paulo: Ática, 1989.

TOLEDO Caio Navarro de. Estado Nacional e desenvolvimento capitalista do Brasil.

domingo, 3 de setembro de 2000

FUNDAÇÃO DA USP - 1934 - ARMANDO SALES OLIVEIRA

Após a derrota da Revolução de 1932, São Paulo sentiu a necessidade de formar uma nova elite capaz de contribuir para o aperfeiçoamento do governo e a melhoria do país. Com esse objetivo um grupo de empresários fundou a Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), em 1933, e o interventor Armando Sales criou a Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Como disse Sergio Milliet, "de São Paulo não sairão mais guerras civis anáquicas", e sim "uma revolução intelectual e científica suscetível de mudar as concepções econômicas e sociais dos brasileiros". A busca de conhecimentos aplicáveis à vida do país vinha reforçar a crítica à cultura bacharelesca e à formação deficiente das escolas de direito.
A ELSP desejava formar elites administrativas para os novos tempos, marcados por uma atuação crescente do Estado, enquanto a USP pretendia preparar professores para as escolas secundárias e especialistas nas ciências básicas. A sociologia norte-americana constituiu o modelo da ELSP. Já o perfil da Faculdade de Filosofia da USP foi influenciado pelo mundo acadêmido francês.
Professores estrangeiros como Roger Bastide, Emílio Willems, Donald Pierson, Pierre Monbeig e Herbert Baldus, entre outros, difundiram nas duas instituições novos padrões de ensino e pesquisa, formando as novas gerações de cientistas sociais no Brasil. A ELSP, a Faculdade de Filosofia da USP e o jornal O Estado de S. Paulo formavam o que o historiador Carlos Guilherme Motta chamou de "um tripé de sólido enraizamento cultural e político".
O entrelaçamento entre cultura e política também se fez sentir na criação do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo em 1935, pelo prefeito Fábio Prado. Nesse órgão trabalharam Paulo Prado, Mário de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, Rubens Borba de Moraes e Sergio Milliet.
Outra conseqüência do projeto político-cultural que se desdobrou em São Paulo após a Revolução de 1932 por iniciativa tanto de instituições governamentais como de empresas privadas foi o notável crescimento da indústria editorial

sexta-feira, 18 de junho de 1999

Nacionalismo

Quando trabalhamos com o nacionalismo, sempre temos que voltar a uma primeira definição, capaz de deduzir o que vem a ser a nação. Em um primeiro momento, entendemos “nação” como um conjunto de experiências históricas, comportamentos, crenças e outros hábitos que definem a identidade de um povo. Contudo, ao pensarmos sobre a nação, vemos que a construção de uma identidade única é sempre problemática e inacabada.
Apesar deste problema conceitual, vemos que o nacionalismo se desenvolveu em determinadas culturas, não só postulando a partilha de uma identidade coletiva, mas também fomentando certas verdades e comportamentos em relação aos povos que não pertenciam à mesma nação. De certo modo, ao enxergar os seus próprios limites, o nacionalismo se volta para o âmbito das diferenças para hierarquizar os povos e construir uma visão positiva de seu povo.
Percebido com mais clareza no século XIX, o sentimento nacionalista pode ser visto como um dos mais significativos desdobramentos gerados pela Revolução Francesa de 1789. Ao lutarem contra as imposições do absolutismo, os franceses empreenderam a formulação de um amplo discurso, em que a vontade do povo e da nação se confundia com o desejo de suspender qualquer hábito ou lei que estabelecesse o privilégio de um grupo em detrimento da maioria.
Mesmo apresentando visíveis problemas, principalmente no que tangia ao conflito de interesses entre a burguesia e as camadas populares, o sentimento nacionalista se fortaleceu como instrumento de mobilização nos movimentos antimonárquicos que se desenvolveram na Europa do século XIX. Nesse mesmo período, a onda nacionalista também ganhava fôlego com o imperialismo, que se assentava na ideia de superioridade de uma nação como justificativa de seu domínio em outras regiões do mundo.
Do ponto de vista histórico, o nacionalismo também veio a fomentar as rivalidades que forneceriam sentido à ocorrência da Primeira Guerra Mundial. Afinal de contas, as rivalidades imperialistas estavam sempre próximas a um discurso em que o interesse de uma nação deveria estar acima das “injuriosas” ameaças de outras nações inimigas. Com isso, as noções de superioridade e rivalidade se mostraram como “centrais” na organização do ideário nacionalista.
Prosseguindo pelo século XX, o nacionalismo alcançou sua expressão mais radical com o surgimento dos movimentos totalitários na Europa. Mais do que simplesmente defensores da nação, esse movimentos tomaram para si a ideia de que as liberdades individuais deveriam ser suprimidas em favor de um líder máximo, capaz de traduzir e executar os anseios de toda uma coletividade. Observado o horror e o fracasso da Segunda Guerra Mundial, podemos ver o trágico resultado desse tipo de expressão extrema.
Ainda hoje, apesar da globalização e o encurtamento das distâncias entre os povos, o nacionalismo aparece ainda na expressão de alguns pequenos grupos que rejeitam o ideal de integração contemporâneo. Em alguns países, os chamados neonazistas, também aparecem alimentados por um nacionalismo que repudia a chegada de imigrantes que saem de sua terra natal em busca de oportunidades e melhores condições de vida. Sem dúvida, a questão nacionalista ainda se movimenta no tempo presente.

terça-feira, 2 de outubro de 1984

GOVERNO VARGAS - DAS TENTATIVAS DE IMPEACHMENT AO ATENTADO DA RUA TONELEROS

Tentativas de impeachment e gestos de renúncia, atentados contra opositores e golpes de Estado marcaram o panorama político mundial da segunda metade do século XX. No Brasil, não foi diferente. Aliás, em poucos momentos de sua história política esses elementos se embaralharam de maneira tão avassaladora como no ano de 1954.
Diferentemente de seu primeiro período de governo, iniciado em 1930 e encerrado em 1945, da segunda vez Getúlio Vargas fora levado ao Palácio do Catete por uma das maiores votações jamais dadas a um candidato a presidente da República. A legitimidade do mandato conferida pelas urnas era, sem dúvida, um dos fatores que constrangia boa parcela da oposição a procurar meios legais para antecipar o fim de seus quatro anos de mandato. Um deles era a possibilidade de o Congresso aprovar o impeachment de Vargas; outro, a pressão para que ele renunciasse como forma de "pacificar" a nação.
A primeira tentativa de impeachment se deu no âmbito da CPI da Última Hora, em 1953, quando Vargas foi acusado de favorece rSamuel Wainer na obtenção de financiamentos junto ao Banco do Brasil. No ano seguinte, 1954, a oposição disporia de um vasto arsenal de denúncias para tentar afastá-lo do governo. Em fevereiro, foi divulgado o Manifesto dos Coronéis, contrário à proposta de aumento de 100% do salário mínimo; em março, estourou a notícia de um acordo secreto entre os presidentes Vargas e Perón para a formação do bloco ABC (Argentina, Brasil e Chile) com o objetivo de reduzir a influência dos Estados Unidos na região. Gradativamente, a crise política foi apertando o ponto, e a perspectiva de golpe de Estado contra Vargas, até então restrita a vozes oposicionistas mais exacerbadas, como as do jornalista Carlos Lacerda e do deputado Aliomar Baleeiro, conquistava crescentes espaços no debate político. Em maio se acendeu a luz amarela para o governo: a tensão começou pelo aumento de 100% do salário mínimo e pela elevação da contribuição dos empregadores para a previdência social, passou pelo assassinato do jornalista Nestor Moreira, de A Noite, nas dependências do 2º Distrito Policial no Rio de Janeiro, e culminou, no mês seguinte, com um novo pedido de impeachment de Vargas feito ao Congresso. A moção foi derrotada por 136 contra 35, sinalizando para certos setores da oposição que talvez essa não fosse a via mais adequada para forçar o encurtamento do mandato do presidente eleito.
Daí para o fortalecimento da conspiração com vistas à derrubada do governo foi um pequeno passo, o que veio a requerer a mobilização de um forte aparato de defesa e de segurança para a guarda e a proteção dos atores políticos mais expostos. Vargas tinha uma guarda pessoal de confiança, chefiada desde 1950 por Gregório Fortunato, que funcionava paralelamente ao esquema oficial de segurança a cargo dos Gabinetes Civil e Militar. Do outro lado, Carlos Lacerda, que da Tribuna da Imprensa comandava uma luta encarniçada contra o governo, contava com a proteção de oficiais da Aeronáutica, que se revezavam na função de guarda-costas do polêmico jornalista.
Para além de uma rima, agosto se revelou, de fato, um mês de desgosto para o governo. Primeiro, vieram os tiros desferidos contra Lacerda no dia 5. Naquela madrugada, ao voltar de um comício no Colégio São José, Lacerda sofreu um atentado na entrada do edifício onde morava na rua Tonelero, em Copacabana, bairro do Rio de Janeiro. O jornalista foi ferido no pé, mas o major-aviador Rubens Vaz, que naquele dia lhe dava proteção, foi morto. Como era de se esperar, o governo foi acusado, e Lacerda, de pronto, levantou a suspeita de que o alto escalão governamental estivesse envolvido diretamente no planejamento e na execução do atentado de que fora vítima e que acabara provocando a morte do oficial.
Apesar dessas denúncias, que poderiam transformar o caso policial em crime político, as investigações ficaram inicialmente a cargo da polícia civil. Foi a partir do depoimento do motorista Nelson Raimundo de Sousa, no dia 7, que a crise político-militar, até então apenas delineada, se agravou. Ao mesmo tempo que admitiu que o autor do atentado havia fugido em seu táxi, Nelson acusou de envolvimento no episódio Climério Euribes de Almeida, membro da guarda pessoal de Getúlio.
Orquestradas por Carlos Lacerda, as pressões pela renúncia do presidente foram tomando proporções compatíveis com a atitude acuada do governo, por um lado, e com a articulação rápida da oposição, por outro, envolvendo até mesmo o vice-presidente Café Filho e o ministro da Guerra, Zenóbio da Costa. Ao primeiro, foi garantido o indispensável apoio político para assumir o cargo vacante; ao segundo, foi prometida a permanência na pasta.
No dia 12 de agosto, Nero Moura, ministro da Aeronáutica, força a que pertencia o oficial assassinado na rua Tonelero, autorizou a instauração de um Inquérito Policial Militar, que trouxe as investigações em curso para a Base Aérea do Galeão, a qual, pelo desembaraço e autonomia com que passou a atuar na condução do inquérito, passou a ser chamada de "República do Galeão".
Antes que o mês terminasse, um novo tiro seria ouvido: o que Vargas disparou contra o próprio peito na manhã do dia 24.